Quem tem acompanhado a coluna semanal
deste escriba não se surpreende com o meu ceticismo acerca da mediana das projeções no Relatório Focus
do Banco Central do Brasil para a taxa de inflação em 2024 medida pelo IPCA. Tenho manifestado neste espaço e nas minhas redes sociais
certa dificuldade em conciliar as projeções abaixo de 4% com os dados. Este texto tem o objetivo de atualizar as reflexões publicadas em fevereiro deste ano, no artigo intitulado A batalha da inflação ainda não foi vencida.
O título ainda se mostra atual.
À época, ainda sem os dados para o IPCA de fevereiro, considerando a projeção que fiz e os padrões sazonais médios, para cada mês, verificados entre 2016 e 2019, eu acreditava que à esta altura, a taxa de inflação acumulada no ano já seria de 1,91%. E como estamos? 1,8%. Para se ter uma ideia, assumindo a taxa média necessária para atingir a projeção mediana do Focus quando escrevi o texto, o acumulado agora estaria em torno de 0,5 ponto percentual abaixo! (Sim, eu sei que isso desconsidera as oscilações sazonais usuais, mas é apenas para termos um parâmetro de comparação).
A grande surpresa frente aos padrões sazonais que eu calculei se manifestou na variação do IPCA em março, que mais que compensou o número 0,11 ponto percentual maior do que a média sazonal de fevereiro. A minha expectativa para abril foi totalmente confirmada pelo IBGE, portanto, sem surpresas nesse mês.
Será que chegou o momento de abandonar o ceticismo com um IPCA variando menos de 4% em 2024 e abraçar a expectativa do mercado? Acredito que não. Esse 0,11 ponto percentual de surpresa não é suficiente para, respeitados os padrões sazonais médios, colocar a taxa de inflação em patamar compatível com o resultado do Focus de 24 de maio,
onde a mediana se encontra em 3,86%. Vale ressaltar que o relatório do dia 9 de fevereiro
(publicado no dia 15/2, mesmo dia que a minha coluna foi ao ar) já continha uma projeção mediana de 3,82%, muito próxima à atual. Ou seja, a convergência para uma projeção até tem acontecido, mas à passos significativamente lentos.
Com as tragédias recentes e outras dificuldades domésticas e internacionais, é possível que esse movimento de tendência de ajuste nas projeções continue nos próximos meses. Isso tem implicações de diversas ordens, especialmente na condução da política monetária, e é preciso que nos mantenhamos vigilantes e atentos às mudanças à frente. A inflação abaixo de 4% ainda não me parece uma realidade para o Brasil de 2024.