A coroação do rei Charles III marca um novo e desafiador período para a família real britânica. Em todo o mundo, existem atualmente 42 monarquias, mas que, mesmo as que resistiram às muitas mudanças de regime ao longo do tempo, perderam parte da força que costumavam ostentar.
Charles III é o 12° monarca britânico, considerando a união de Inglaterra e Escócia, em 1707. Até agora, muita coisa mudou, inclusive o poder exercido pelo Reino Unido em relação a outras nações.
“Até 100 anos atrás, mais ou menos, a Inglaterra era o país dominante no mundo. Recentemente, ela perde esse posto para os EUA. Então há todo um imaginário em relação a isso. Há, durante muito tempo, um poderio britânico nas diversas partes do mundo, tando que se dizia que é o local onde o sol nunca se punha”, destaca André Roberto de Arruda Machado, professo de História da Unifesp.
As atribuições de um rei ou rainha variam de acordo com o local e o momento histórico. O Reino Unido já foi absolutista, como é a Arábia Saudita ainda hoje, por exemplo, onde o rei exerce o poder de forma independente e superior aos demais órgãos de Estado.
Atualmente, a monarquia parlamentarista, na qual o monarca tem o papel de chefe de Estado, mais diplomático, sem poder interferir nas decisões de governo, que são do primeiro-ministro. Nesse caso, o diferencial da coroa é a simbologia de uma posição de representação.
“As monarquias nórdicas, por exemplo, ou da Bélgica, Holanda, Luxemburgo, todos esses reis não têm nenhum poder de mando. Eles, na verdade, encarnam a nação, são grandes embaixadores desses países, defendendo os interesses em viagens e representações. A monarquia tem essa função”, explica Francisco Vieira, professor de História.
Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM, reforça que em monarquias constitucionais, o rei tem um papel mais simbólico, tendo poucas funções na prática.
“Não vai ser quem vai fazer a política no dia a dia, mas vai ser a representação da união, da tradição e dos costumes daquele país”, complementa.
Anthony Pereira, professor titular da Kings College London, os monarcas “representam um chefe de Estado que vai sobreviver apesar das mudanças do governo”. Ainda assim, pontua que a juventude olha para a monarquia como algo totalmente desligado para o mundo que estão vivendo.
Um dos fatores que ainda joga os holofotes para as famílias reais, principalmente a britânica, entretanto, são as séries televisivas.
“A gente tem visto uma mudança em alguns documentários que mostram o papel na questão da colonização, nos movimentos de escravização do mundo, da lógica de exploração que ocorreu. Mas ela ainda representa um glamour, um sonho”, pondera Holzhacker.
Futuro e desafios
Leonardo Trevisan, professor de Relações Internacionais da ESPM, analisa que “a ideia de rei se extingue com o final da Primeira Guerra Mundial, a lógica dele”.
O especialista também avalia que Charles III será o primeiro a ser testado em uma “lógica de inteligencia artificial”. “Ele vai ser o primeiro rei que vai ter que enfrentar a possibilidade de, algum modo, a monarquia deixar de ser algo intocável”, afirma.
Ainda assim, apesar de todas as transformações, a cerimônia deste sábado dá indícios de que, em pleno século XXI, a monarquia ainda possui força para seguir sobrevivendo.
Conforme destaca Carolina Pavese, doutora em Relações Internacionais, “uma pesquisa recente que foi liberada essa semana aponta que 58% dos britânicos preferem ter um chefe de Estado monarca, e 26% dos que opinaram optam por alguém que seja eleito”.
“A monarquia, o sistema, ele é mais importante que as pessoas que o ocupam. E talvez a explicação esteja justamente nisso, de que o fato de boa parte do funcionamento do sistema político inglês estar baseado em tradições, em coisas que remontam há seculos”, diz Arruba Machado.
“Para nós, pode ser muito simples a substituição de um regime monárquico por um sistema republicano, pode parecer atá bastante absurdo. Mas, certamente, isso não é tão simples para boa parte dos ingleses”, avalia o professor.