Da Redação Avance News
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na terça-feira (25), que não pode ser considerado crime o porte de maconha para uso pessoal. A determinação, vale frisar, não representa que o Supremo esteja legalizando ou liberando o uso de entorpecentes.
Logo no início da sessão, o ministro Dias Toffoli pediu a palavra para apresentar um complemento do voto da semana passada e afirmou que “há seis votos pela descriminalização”.
“O voto é claro no sentido de que nenhum usuário de nenhuma droga pode ser criminalizado”, declarou o magistrado.
Com isso, afirmou que o voto dele se soma aos outros cinco. Só que vai além, ao considerar que não é crime o porte de todas as drogas, não apenas a maconha. Forma maioria, portanto.
O ministro voltou a defender que é constitucional o artigo da Lei de Drogas que trata da conduta de portar substâncias entorpecentes para consumo próprio (entenda mais abaixo). A preocupação dele é de que, ao conferir interpretação ao porte de maconha, que se entenda que os usuários de outros tipos de drogas cometem crime.
No entanto, o ministro concluiu que o Supremo precisa evoluir no seu entendimento e passar a considerar que a conduta é um ato ilícito administrativo que, se cometido, sujeita a pessoa às sanções que já estão na lei.
Entre elas, a advertência sobre os efeitos das drogas; a prestação de serviços à comunidade; a medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Ou seja, Toffoli entende que o ato é válido e não tem mais efeitos penais. E que o Supremo não precisa conferir uma intepretação ao artigo, já que o próprio legislador, ao não prever pena, teria optado pela descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.
Toffoli considera que, apesar de casos deste tipo ainda permanecerem na Justiça criminal, isso não traz efeitos penais para a conduta do porte de drogas.
Quanto à diferenciação entre usuários e traficantes, o ministro considerou que a distinção baseada apenas na quantidade pode não ser suficiente para tratar da questão. Ele, portanto, não fixa a quantidade.
Por isso, votou para que o Congresso Nacional estabeleça as medidas para mudar a política de repressão ao tráfico de drogas e ao tratamento dos usuários com enfoque em saúde e recuperação.
O plenário já tinha definido que é preciso estabelecer um critério para diferenciar usuário de traficante, mas ainda vai fixar a quantidade máxima que vai distinguir as condutas.
Não há liberação de entorpecentes
A Corte não legalizou ou liberou o consumo de entorpecentes. Ou seja, o uso de drogas, mesmo que individual, apesar de não ser crime, permanecerá como ato ilícito, ou seja, contrário a lei.
Com isso, quem agir desta forma ainda estará sujeito às sanções que já estão na legislação, incluindo:
advertência sobre os efeitos das drogas; e
medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
O caso começou a ser analisado em 2015 e, ao longo deste período, foi interrompido por quatro pedidos mais tempo para análise do texto.
Como está o julgamento
O ministro Luiz Fux foi o primeiro a votar nesta terça -feira (25) e considerou que a definição sobre se a conduta do porte de maconha é crime não deve ser feita pelo Supremo Tribunal Federal.
Entendeu que a definição está dentro de uma política de drogas, feita pelo legislador. E que a definição da diferença entre traficante e usuário deve ser feita pela Anvisa. Afirmou que há dissenso científico e moral.
“Considero, por essa razão, que devo ter no meu voto o dever de contenção e de postura deferente aos órgãos de técnica e órgãos científicos detentores de saberes, que tomem para si a tarefa de fixar quais são as substâncias e as quantidades que os indivíduos devem ser autorizados a adquirir, plantar para consumo próprio”.
Considerou que a previsão do art. 28 é constitucional, e que as sanções previstas são razoáveis e proporcionais.
“Uma declaração de inconstitucionalidade do art. 28 da lei vai deixar de aplicar sanções super ponderadas, proporcionais, razoáveis”, argumentou.
“Sem regulação, sem atuação do Poder Legislativo, a liberação do uso da maconha vai trazer muito mais problema do que solução”.
Os dez votos apresentados até o momento se dividem em três correntes:
Cinco ministros consideram que não é crime o porte de drogas para consumo individual. A conduta é um ato ilícito administrativo, com a possibilidade de aplicação de advertência sobre os efeitos das drogas e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Seguiram nesta linha o relator Gilmar Mendes e os ministros, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber (aposentada), Alexandre de Moraes.
Quatro ministros entendem que a lei é constitucional, ou seja, na prática, o trecho deve ser mantido — entendido como um crime, com as repercussões socioeducativas. Seguiram esta linha os ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques, André Mendonça e Luiz Fux.
O ministro Dias Toffoli abriu uma terceira corrente, que se diferencia dos dois posicionamentos anteriores. Para Toffoli, a mudança operada na Lei de Drogas sobre a conduta, em 2006, fez com que a prática tenha deixado de ser crime desde então. No entanto, as punições administrativas permanecem e os processos com este tema devem ser julgados nas áreas da Justiça que tratam de matéria penal. Toffoli considerou que a regra prevista na Lei de Drogas deve ser mantida.
Validade da Lei de Drogas
O processo envolve a discussão sobre a validade de um trecho da Lei de Drogas, de 2006. A lei estabelece, em seu artigo 28, que é crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal.
No entanto, a legislação não fixa uma pena de prisão para a conduta, mas sim sanções como advertência, prestação de serviços à comunidade e aplicação de medidas educativas (estas duas últimas, pelo prazo máximo de 5 meses).
Ou seja, embora seja um delito, a prática não leva o acusado para prisão.
A norma não diz quais são as substâncias classificadas como droga – essa informação é detalhada em um regulamento do Ministério da Saúde.
Além disso, determina que cabe ao juiz avaliar, no caso concreto, se o entorpecente é para uso individual.
Para isso, o magistrado terá de levar em conta os seguintes requisitos: a natureza e a quantidade da substância apreendida, o local e as circunstâncias da apreensão, as circunstâncias sociais e pessoais da pessoa que portava o produto, além de suas condutas e antecedentes.
Ou seja, não há um critério específico de quantidades estabelecido em lei. Com isso, a avaliação fica a cargo da Justiça.
A lei de 2006 substituiu a regra que vigorava desde 1976. Na antiga Lei de Drogas, carregar o produto para uso individual era crime punido com prisão – detenção de 6 meses a dois anos, além de multa.
Diferenças entre descriminalização, despenalização e legalização
Despenalizar significa substituir uma pena de prisão (que restringe a liberdade) por punições de outra natureza (restrições de direitos, por exemplo).
Legalizar é estabelecer uma série de leis que permitem e regulamentam uma conduta. Estas normas organizam a atividade e estabelecem suas condições e restrições – regras de produção, venda, por exemplo. Também pune quem descumpre o que for definido. Na prática, é autorizar por meio de uma regra.
Já descriminalizar consiste em deixar de considerar uma ação como crime. Ou seja, em âmbito penal, a punição deixa de existir. Mas é possível ainda aplicar sanções administrativas ou civis.
Caso concreto
O Supremo foi provocado a se manifestar a partir de um recurso que chegou à Corte em 2011. O caso envolve a condenação a 2 meses de prestação de serviços à comunidade de um homem que portava 3g de maconha dentro do centro de detenção provisória de Diadema (SP).
A Defensoria Pública questionou decisão da Justiça de São Paulo, que manteve o homem preso. Entre outros pontos, a defensoria diz que a criminalização do porte individual fere o direito à liberdade e à privacidade.
Estes direitos fundamentais estão previstos na Constituição. Como a matéria envolve a Carta Magna, cabe ao Supremo se pronunciar.