Importada dos EUA, a Black Friday conquistou os brasileiros há uma década e já compete como uma das datas comerciais mais importantes do país, ao lado de Natal e Dia das Mães . Estima-se que 62% dos brasileiros realizaram algum tipo de compra, atraídos pelos preços mais baixos, segundo pesquisa Google, de outubro último. Com isso, alguns problemas podem surgir para os consumidores.
Os índices de compras são animadores para as empresas, mas acendem um alerta para o pós-venda: segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, uma em cada quatro ações nas Justiças Estaduais e Federais são relacionadas a consumo. Os assuntos mais demandados são pedidos de indenização por dano moral e por dano material, as ações contra bancos, ações por devolução de produto ou rescisão de contrato de prestação de serviços e práticas abusivas.
Enfrentar algum problema certamente não é o que espera o consumidor ao adquirir um produto ou serviço, mas as falhas podem acontecer. No entanto, antes de partir para uma ação na Justiça, é preciso ficar atento à maneira como os tribunais vêm encarando as reclamações.
“Nos últimos anos, o Judiciário brasileiro vem sinalizando a necessidade de que consumidores e empresas esgotem as tentativas de solução extrajudicial antes de recorrerem à justiça”, explica Arina do Vale, sub líder de equipe em Prevenção de Litígios e Recuperação de Créditos do escritório Albuquerque Melo.
Recente decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) reforça essa tendência, afetando diretamente as relações de consumo de natureza prestacional daquele estado, ou seja, tudo que envolve a prestação de um serviço, numa relação triangular: consumidor x fornecedor x serviço. A determinação visa mitigar o número de processos e garantir mais eficiência na resolução de conflitos.
A tese fixada pelo TJ/MG estabelece que, para que o consumidor tenha interesse de agir em juízo, é necessária a tentativa de resolução extrajudicial por meio de canais oficiais, como SAC – Serviço de Atendimento ao Consumidor, Procon, Banco Central ou plataformas públicas e privadas, como o consumidor.gov e Reclame Aqui. A ausência dessa comprovação poderá resultar na extinção do processo sem julgamento do mérito.
Esse entendimento do TJ/MG não é isolado. Renata Belmonte, líder do Albuquerque Melo na área de Prevenção de Litígios e Recuperação de Créditos, destaca que outros estados já incentivam a tentativa de acordo direto com as empresas. “Esse é um entendimento que está, cada vez mais, se popularizando. Em Santa Catarina, por exemplo, há muito tempo eles orientam o consumidor a primeiro tentar a solução extrajudicial junto às empresas”.
Segundo Belmonte, a decisão é um marco porque estabelece uma orientação clara sobre o papel dos consumidores e fornecedores. “A empresa tem, por lei, 30 dias para resolver o problema do consumidor. Contudo, muitas vezes o consumidor vai direto ao judiciário, almejando uma indenização moral. Infelizmente, por vezes, os juízes não analisam o prazo e acabam por condenar as empresas, sendo necessário recorrer daquela decisão, que muitas vezes tem um custo tão alto, que as empresas preferem pagar a condenação”.
A decisão representa um desafio e uma oportunidade para os prestadores de serviços. Além de investirem em canais de atendimento e estratégias de comunicação claras com os consumidores, as empresas precisam criar processos eficazes para atender às demandas fora do âmbito judicial. “Entendo que o papel das empresas nessa comunicação é fundamental, pois compete a elas criarem canais acessíveis de comunicação com o consumidor, orientando a procura pelos canais de atendimento, bem como os meios de solução alternativa de conflitos, como o consumidor.gov.br e Procon”, alerta Belmonte.
Ao consumidor que entra com uma ação sem tentar resolver extrajudicialmente, a consequência pode ser a perda do pedido de indenização por dano moral, conforme esclarece Arina do Vale: “O consumidor tem com ele o direito de ação. Contudo, em razão dessa previsão legal, a verdade é que se ele não tiver procurado pelo fornecedor antes, a única coisa que ele conseguirá é que o fornecedor resolva seu problema, mas não terá direito a dano moral, que com certeza é o que o consumidor almeja quando vai direto bater nas portas do judiciário”.
Apesar do otimismo em relação à diminuição de processos, há um ponto de atenção: a aplicação dessas medidas não pode se tornar uma barreira. “O Código de Defesa do Consumidor (CDC) assegura direitos básicos, como o acesso à justiça e a proteção contra práticas abusivas. A decisão do TJ/MG apenas busca incentivar que tentativas razoáveis de solução sejam feitas previamente. Um ponto de atenção seria garantir que essa orientação não se torne uma barreira ou uma forma de postergar o direito do consumidor”, analisa Belmonte.