O planeta Terra registrou, em julho de 2023, os dois dias mais quentes da sua história
, com médias de 17,01°C e 17,18°C. Em fevereiro deste mesmo ano, fortes chuvas que atingiram o Litoral Norte de São Paulo causaram a morte de mais de 60 pessoas.
Estes são apenas dois exemplos de eventos climáticos extremos registrados recentemente no mundo. Diante disso, parcelas da população estão cada vez mais se mostrando preocupadas com as mudanças climáticas, expondo uma relação direta entre desastres ambientais e saúde mental.
Profissionais da área da saúde estão dedicando mais estudos a este assunto e, desde a década 1990, começaram a tratar do termo “ecoansiedade”. Aqui no Brasil, entretanto, esta abordagem passou a ganhar projeção há cerca de 8 anos.
“A ecoansiedade é um transtorno que começou a ser observado com mais profundidade nos últimos anos, e corresponde a um quadro de ansiedade motivado por uma ideação catastrófica em relação a fenômenos da natureza”, ressalta o psicólogo Marco Aurélio Bilibio, diretor do Instituto Brasileiro de Ecopsicologia (IBE).
O especialista pontua, contudo, que este medo crônico de catástrofes ambientais não se caracteriza como uma doença, mas sim como um transtorno de ansiedade ligado a um sentimento de impotência frente à crise ambiental observada na atualidade.
Bilibio destaca ainda que as pessoas que apresentam quadro de ecoansiedade são, em sua maioria, aquelas que tomaram consciência dos problemas atuais e futuros que a sociedade enfrentará no âmbito da questão climática.
“Essas pessoas que estão sofrendo por um futuro de catástrofes ambientais são pioneiras na tomada de consciência de um quadro que realmente é grave. Quem sofre de transtorno da ecoansiedade está, na verdade, sentindo por todo mundo a falta de ações efetivas para conter as mudanças climáticas”, exclama o psicólogo.
Tendência a desenvolver ecoansiedade
A área da psicologia já trata de recortes bem específicos de pessoas que têm maior tendência a desenvolver um quadro de ansiedade
diante do futuro do meio ambiente.
“Uma parcela é a das pessoas envolvidas com a questão ambiental, como ecoativistas, climatologistas e pessoas preocupadas com questões de consumo. Estes cidadãos estão mais suscetíveis por estarem mais expostos às informações relacionadas às mudanças climáticas”, afirma Carlos Manoel Rodrigues, professor de psicologia do Centro Universitário de Brasília (CEUB).
Alexandre Costa, climatologista e docente da Universidade do Ceará (UECE), se enquadra neste recorte. Conhecido pelo seu ativismo climático, ele afirma que o negacionismo e a falta de medidas efetivas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas passaram a afetá-lo há cerca de dez anos.
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O cientista explica que sucessivas decepções relacionadas ao campo do meio ambiente, bem como problemas de ordem profissional e pessoal, fizeram com que ele fosse diagnosticado com depressão.
“Um dos fatores que me levaram a este quadro de saúde foi a ecoansiedade. Essa contradição entre a percepção do agravamento da crise, o entendimento da dimensão do problema e você olhar ao seu redor e se sentir só, incapaz, impotente”, diz o professor.
Em agosto de 2014, o evento Mil Nomes de Gaia, realizado no Rio de Janeiro, foi um dos marcos dos problemas de saúde que Alexandre estava enfrentando. Ele foi um dos convidados de uma mesa de debate onde o objetivo era expor o rápido avanço do aquecimento global.
“Ao final, quando abriram para as perguntas, uma senhora perguntou como eu conseguia lidar com tudo aquilo, como eu conseguia seguir à diante e dormir tranquilo. Naqueles momentos raros que você tem uma espirituosidade até um pouco mórbida, aproveitei que eu ainda estava com a bagagem, abri a mochila, tirei a caixa do meu antidepressivo e disse ‘olha, como é que eu sigo adiante? Jogando dopado’”, relembra.
Além de casos semelhantes aos de Costa, o psicólogo Carlos Manoel pontua ainda que pessoas mais jovens que olham para um horizonte catastrófico em relação ao futuro do planeta, e cidadãos que vivem em áreas vulneráveis que são mais afetadas pelos eventos climáticos também têm maior tendência de desenvolver ecoansiedade.
“Se pegarmos o exemplo das chuvas que atingiram o Litoral paulista em fevereiro, várias cidades foram atingidas, mas a população que eminentemente sofreu maior perda e maior desgaste foi a população de classes sociais mais baixas e que tinham as moradias mais precárias”, diz.
Sintomas, diagnóstico e tratamento
Os psicólogos Marco e Carlos destacam que os sintomas da ecoansiedade são os mesmos dos transtornos de ansiedade considerados “tradicionais”, englobando transpiração em excesso, taquicardia, dor de cabeça, além de medo e sensação de impotência em relação ao futuro, por exemplo.
No que diz respeito ao diagnóstico, ambos os profissionais ressaltam que ainda não são todos os psicólogos que conseguem identificar este transtorno, visto que é uma área de estudo considerado recente no Brasil. Por conta disso, o tratamento ainda está muito relacionado à psicoterapia tradicional e, em casos mais graves, ao uso de medicamentos.
Rodrigues e Bilibio reforça ainda sobre o fato de que cada vez mais os profissionais da área da saúde mental são aconselhados a indicar que pessoas com um sentimento de impotência em relação aos rumos ambientais da Terra tentem passar a fazer parte de coletivos que realizam ações efetivas em prol do meio ambiente.
“Uma das coisas que tem ajudado bastante as pessoas que apresentam este quadro é a participação e organização das pessoas em coletivos. Participar de um movimento ambiental ou de ações que efetivamente têm algum tipo de influência na mudança climática tem auxiliado as pessoas a ressignificarem e a assumir o controle frente a esta situação”, orienta o professor do CEUB.
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Os estudos ainda muito recentes sobre a ecoansiedade que foram relatados pelos especialistas foram percebidos também por Alexandre Costa. Tanto que, na época em que teve depressão, ele não foi diagnosticado com o medo relacionado à catástrofe ambiental.
“Esse foi um processo terrível, porque quando eu falava da crise ecológica observava que os psicólogos não tinham ainda muito conhecimento do assunto. Não os culpo, porque a maioria dos casos começaram a vir à tona mais recentemente”, exclama o climatologista.
O docente da UECE diz que o seu diagnóstico só aconteceu recentemente, quando passou por consultas com psicólogos que apontaram que sim, um dos motivos para ele ter desenvolvido transtornos de saúde mental foi o seu envolvimento e consequente preocupação excessiva com a questão climática.
Cada vez mais casos
A perspectiva de novos casos de ecoansiedade corre paralelamente ao horizonte das mudanças climáticas, ou seja, a previsão é uma tendência de alta na medida em que eventos climáticos extremos aumentem.
Alexandre, por exemplo, relata que tem muito medo que seus três filhos desenvolvam algum problema de saúde semelhante ao que ele teve por conta das preocupações com os rumos do planeta.
Marco Aurélio afirma que a tomada de consciência em relação às mudanças climáticas vai aumentar e que vai ser cada vez mais difícil não reconhecer os sentimentos de insegurança e indignação diante da crise ambiental.
“A água chegou no nariz e nós já vivemos por muito tempo em negação em respeito ao que está acontecendo. O que observamos é que o estilo de vida que foi gerado dentro da escala de consumo, na máxima de um crescimento sem fim, mostra que as consequência previstas há décadas estão se mostrando cada vez mais reais”, alerta.
“Com esses eventos climáticos extremos a tendência é que a gente tenha muito mais problemas de ordem comportamental e emocional, como transtorno de estresse pós-traumático nas vítimas. A gente tem uma emergência que precisa ser enfrentada de forma correta porque ela tem efeitos climáticos, ambientais, sociais, econômicos e psicológicos bem intensos”, complementa Carlos Manoel.