Da Redação Avance News
No Brasil o rebanho bovino supera o número de pessoas. Conforme a Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são 224,6 milhões de cabeças. O Rio Grande do Sul perdeu postos ao longo dos anos. A participação na produção nacional passou de 7% em 2010 passando para 5% em 2020. O ano passado foi de recuperação para o estado que alcançou 11,9 milhões de cabeças, uma alta de 9%.
O estado tem forte presença de raças bovinas de origem europeia, adaptadas ao clima mais frio, à produção extensiva a pasto e referência em qualidade de carne. Agora a pesquisa e as raças estão aliadas para elevar essa produção a um novo patamar: mais voltada aos desafios do meio ambiente, combinando preservação com produção de alto rendimento.
Um estudo desenvolvido pela Embrapa Pecuária Sul, com sede em Bagé (RS), culminou na Prova de Emissão de Gases (PEG). Ela consiste na coleta do metano emitido por jovens reprodutores e na medição desse gás no meio ambiente. O experimento já conta com a parceria das associações de criadores das raças Angus, Hereford, Braford e Charolês. “Já faz dez anos que trabalhamos nessa medição da emissão de gases, mas sempre com animais a campo. Hoje fazemos a metodologia em confinamento. Nós propusemos ao grupo que já trabalhava com provas de eficiência alimentar e avaliação a campo que também fizéssemos a mensuração dos gases para derrubar essa antítese de que a pecuária é a vilã do meio ambiente”, explica a pesquisadora especialista em Manejo de Pastagens e Ecologia de Pastejo da Embrapa Pecuária Sul, Cristina Genro.
Como é feita a medição
A PEG busca identificar animais que apresentem menor emissão de metano por quilo de alimento consumido e por quilo de peso vivo produzido. Para isso são avaliados 30 animais de cada raça por ano, totalizando 120 animais ano. Todos são machos reprodutores indicados pelas associações e que vem de toda região Sul. A técnica utilizada para a medição é a chamada gás traçador hexafluoreto de enxofre (SF6). Uma cápsula com a substância é administrada via oral ao reprodutor no início da prova. O SF6 liberado pela cápsula mistura-se aos gases da fermentação da ruminação, atuando como um traçador do gás metano produzido e arrotado pelo animal. O ar expirado pelo bovino é captado por um tubo capilar de aço inoxidável posicionado na região logo acima das narinas.
O tubo capilar é conectado por uma mangueira a um recipiente cilíndrico de alumínio, localizado no dorso do bovino, preenchido pelos gases captados durante os cinco dias de coleta. Depois, o recipiente é pressurizado com nitrogênio e as concentrações do metano e do SF6 são determinadas a partir de técnicas de cromatografia gasosa em laboratórios especializados. Além dos recipientes colocados nos animais, são distribuídos na área mais quatro cilindros providos de válvulas reguladoras de ingresso em cada período experimental, a fim de captar amostras do ambiente.
Os animais que participam da prova recebem alimentação e o manejo iguais, em um ambiente controlado e com oportunidades iguais para cada animal expressar seu potencial genético. A dieta fornecida aos animais é composta por 75% de volumoso (silagem e feno) e 25% de concentrado.
O coeficiente técnico para a classificação dos reprodutores é calculado com base na relação entre a emissão de metano por consumo de matéria seca e a emissão de metano por ganho médio diário. A partir dessas relações, os reprodutores serão estratificados em elite, superior e comercial.
Resultados animam pesquisadores
Segundo dados do Observatório do Clima, 70,5% das emissões nacionais de metano são originadas da agropecuária, sendo 90% oriundas da fermentação entérica dos bovinos. A pesquisadora explica que os primeiros resultados alcançados são muito animadores e podem mudar a visão sobre a atividade. “Nesses dois anos de avaliações observamos que a intensidade de emissão de metano pelos touros é bem menor do que a desejada. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) preconiza que bovinos de corte emitem 56 quilos de metano por ano. Os resultados preliminares mostram que os animais avaliados estão emitindo 48 quilos de metano por ano. Assim, onde existe eficiência de produção existe mitigação de metano. Então a pecuária pode deixar de ser um alvo”, destaca Cristina.
Até 2026 animais da raça Brangus também devem fazer parte da prova e há projetos para expandir as avaliações para as fêmeas de elite. Como a emissão de gases ocorre pela ruminação dos alimentos ingeridos, a pesquisadora destaca que criadores podem adotar medidas simples para diminuir as emissões. Entre elas o controle da altura das pastagens e sistemas integrados de produção como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). “Hoje já conseguimos cerca de 38% menos emissões só com utilização do sêmen desses touros na geração de filhos, então quanto mais técnicas utilizadas mais bons resultados alcançaremos”, completa.
Carne mais eficiente
A carne gaúcha quer ir além de precocidade, marmoreio, suculência e todos os atributos que tornam a proteína do Rio Grande do Sul uma referência. A Associação Brasileira de Angus, por exemplo, adota o Selo de Sustentabilidade desde 2019. São levados em conta fatores como boas práticas de sustentabilidade, responsabilidade social, rastreabilidade, sanidade, bem-estar animal e biossegurança em propriedades que utilizam a genética da raça para que o produtor obtenha a certificação.
A iniciativa, preocupada com as novas tendências de consumo, soma-se com a PEG. O gerente de fomento da Associação Brasileira de Angus, Mateus Pivato, destaca que o projeto com a raça pode gerar dados ao sistema produtivo que poderão ser usados de forma mais assertiva. “Essa coleta é muito importante porque esses dados produzidos aqui no Rio Grande do Sul, onde usamos criação a pasto, podem ser um modelo. Precisamos de mais informações para nossos estudos também para divulgarmos o desempenho, mas certamente teremos animais mais eficientes, em sistemas mais eficientes que servirão de base para estudos de emissão na pecuária mundial”, completa Pivato.
Os animais das raças Hereford e Braford também têm protagonismo e refletem o conceito moderno de produção de carne com sustentabilidade. A chamada “raça mãe” já é, por natureza, mais eficiente em conversão alimentar, consumindo menos alimento para produzir 1 kg de carne, além de ser uma das mais usadas em cruzamentos. O objetivo do projeto para a raça reflete na identificação de animais com atributos superiores, proporcionando melhoramento das raças de uma forma mais rápida. “Ser eficiente não só no sentido de comer menos mas também consumindo menos, ganhando peso e emitindo menos metano. Essa tendência é mundial então nada mais apropriado que começarmos nessa medição de gases para termos argumentos diante das cobranças ambientais mas também que saibamos quais dos nossos animais são melhores nesse aspecto e que possamos usar isso nas nossas criações. Estamos preocupados sim em produzir com sustentabilidade e esse bom exemplo virá com mais força das fazendas gaúchas”, reforça o presidente do Conselho Técnico da Associação Brasileira de Hereford e Braford (ABHB) , Paulo Azambuja.
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