“No final, a defesa dos réus foi quem indicou onde eles seriam julgados e quais os crimes que eventualmente deveriam responder”. Jarbas observa que, segundo a norma constitucional, o Ministério Público é o autor da ação penal pública. E nesse caso, nem o MPMG e nem o Ministério Público Federal (MPF) imputaram crimes federais aos denunciados. Ele também avalia que a defesa dos réus tem trabalhado para que o julgamento não chegue ao mérito. “Espero que o Poder Judiciário leve esse processo à sua conclusão”, disse.
O procurador-geral compartilhou suas avaliações sobre o processo criminal no podcast Meu Ambiente, lançado neste mês pelo MPMG com o objetivo de discutir desafios ambientais com especialistas convidados e dar visibilidade a ações práticas. O primeiro episódio tratou das duas grandes tragédias da mineração ocorridas no estado de Minas Gerais: a primeira em Mariana no ano de 2015 e a segunda em Brumadinho, em 2019. A cada quinze dias, será discutido um novo tema.
Em Brumadinho, a tragédia ocorreu após uma barragem da mineradora Vale se romper. Com a ruptura da estrutura, foi liberada uma avalanche de rejeitos que causou a morte de 270 pessoas e gerou diversos impactos na bacia do Rio Paraopeba.
O processo criminal foi federalizado no final do ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) deu a palavra final sobre a discussão de competência. Até então, as responsabilidades pelo rompimento da barragem vinham sendo julgadas pela Justiça mineira, a partir de denúncia do MPMG, elaborada com base em inquérito da Polícia Civil do estado, que indiciou as 16 pessoas. Elas foram acusadas por diversos crimes ambientais e por homicídio doloso qualificado. A Vale e a consultoria alemã Tüv Süd, que assinou laudo de estabilidade da barragem, também se tornaram rés e ficaram sujeitas à condenação e punição com diferentes sanções.
“Os promotores responsáveis pelo caso indicaram aqueles que eles concluíram que foram os responsáveis por esse crime e a denúncia foi para o foro que nós entendemos que é o competente: a Justiça Estadual de Brumadinho. Mas os réus foram buscando medidas judiciais para tirar o processo da esfera estadual. E conseguiram. O que para nós é muito difícil de assimilar”, reforçou Jarbas.
Ele disse que, em tese, ao acrescentar os crimes federais, a situação dos acusados se agrava. Por esta razão, o procurador-geral da Justiça do MPMG suspeita que a defesa tenha escolhido esse caminho para ganhar tempo. Além disso, ele observa que se trata de um caso de julgamento por júri popular.
“Me parece que a Justiça Estadual está mais familiarizada com crimes de júri. Hoje, se formos fazer um levantamento, tem 100 julgamentos de júri no estado. A Justiça Federal, em 10 anos, não tem 100 julgamentos no estado. Mas eu reconheço o papel da defesa. Ela tem que defender o seu cliente da melhor forma possível”.
Na Justiça mineira, o processo tramitava de forma lenta. O prazo para que os réus apresentassem sua defesa foi aberto apenas em setembro de 2021, passados mais de um ano e meio do recebimento da denúncia. No entanto, a discussão de competência paralisou o processo logo na sequência. Em outubro de 2021, os cinco integrantes da sexta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entenderam, de forma unânime, que o caso não era da alçada da Justiça estadual. Eles consideraram que o julgamento deveria ser federalizado por envolver declarações falsas prestadas ao órgão federal, descumprimento da Política Nacional de Barragens e por possíveis danos a sítios arqueológicos, que são patrimônios da União.
O julgamento no STJ se deu a partir de um habeas corpus apresentado pela defesa de Fábio Schvartsman, que era presidente da Vale a época dos fatos e se tornou um dos réus. A tese de incompetência da Justiça estadual foi aceita mesmo sob discordância do MPF, que se alinhou ao entendimento do MPMG. “Não há descrição de crime federal, não há crime federal, não há bem jurídico da União atingido aqui na denúncia”, disse no julgamento a subprocuradora-geral da República, Luiza Frischeisen.
Por meio de um recurso ao STF, o MPMG chegou a reverter a decisão através de uma liminar favorável concedida de forma monocrática pelo ministro Edson Fachin. Mas quando a questão foi apreciada pela Segunda Turma do STF, o acórdão do STJ foi restabelecido.
Denúncia
Como cabe ao Ministério Público Federal (MPF) atuar na esfera federal, a decisão do STF afastou automaticamente o MPMG do caso. Em janeiro desse ano, porém, o MPF tomou a decisão de reapresentar na íntegra a denúncia do MPMG, que foi aceita pela 2ª Vara Criminal Federal. Ela relata a existência de um conluio entre a Vale e a Tüv Süd, que resultou na emissão de declarações de condição de estabilidade falsas que tinham como objetivo servir de escudo para que as atividades da mineradora permanecessem sigilosamente arriscadas.
Para Jarbas, trata-se de uma situação atípica. “Como o MPF reapresentou na íntegra a denúncia do MPMG, o processo vai correr na Justiça Federal sem imputação de crime Federal”. Ele disse esperar que seja instaurado o Tribunal do Júri Federal.
Alexandra Andrade, presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos em Brumadinho (Avabrum), também participou do podcast do MPMG e cobrou Justiça. Parente de dois mortos, um irmão e um primo, ela teme que se repita o que ocorreu no processo envolvendo a tragédia em Mariana, na qual uma barragem da mineradora Samarco se rompeu causando 19 mortes e impactos em dezenas de municípios na bacia do Rio Doce. Ninguém foi preso, nem em caráter temporário. Passados mais de sete anos da tragédia, a maioria dos 22 denunciados pelo MPF conseguiram habeas corpus e deixaram a condição de réu. E ninguém mais responde pelo crime de homicídio.
Para Alexandra, o colapso da barragem em Brumadinho poderia ter sido evitado se tivessem ocorrido punições após a tragédia em Mariana. “A gente acredita que as empresas contam com a impunidade. A partir do momento que começar a prender os executivos, os gerentes, os gestores, aí a gente acredita que mudará”.
A presidente da Avabrum também diz que a saúde dos familiares das vítimas está abalada. “A maioria está adoecida. Fazem tratamento psicológico ou psiquiátrico, tomam medicamento”. Ela também afirma que o preconceito agrava a situação. “A gente fica muito triste, porque as pessoas acham que porque teve indenização, o sofrimento acabou, a dor acabou, a saudade acabou. E isso não existe. Nós temos familiares que estão morrendo e as famílias contam que é de tristeza. Já morreram pais, mães, irmãos e filhos”.