Estudo inédito do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que investigou coinfecção por malária e parasitoses intestinais entre os yanomami revelou alto índice de infecções intestinais entre estes indígenas. De acordo com a pesquisa, 81% eram por microrganismos causadores de doenças como amebíase e verminoses. Realizada na base Marani, no Amazonas, a pesquisa mostrou que cerca de 15% tinham, simultaneamente, parasitose intestinal e malária.
Segundo a coordenadora do estudo, Joseli Oliveira Ferreira, pesquisadora do Laboratório de Imunoparasitologia do IOC, o índice de parasitoses intestinais foi muito alto. “Mais de 80% dos indivíduos tinham duas ou mais espécies de parasitos intestinais. Em 20% dos casos, encontramos de quatro a seis espécies diferentes de microrganismos. A falta de saneamento nas aldeias indígenas e o contato contínuo com o ambiente contaminado propiciam a infecção por uma grande diversidade de parasitos”, disse a pesquisadora.
A investigação incluiu cinco comunidades yanomami próximas da fronteira com a Venezuela. A coleta de amostras ocorreu em 2015. Participaram 295 indígenas, e todos os habitantes das aldeias receberam atendimento médico necessário no período do estudo.
O parasito intestinal mais frequente foi a Entamoeba coli, detectada em 100% dos exames. O microrganismo é considerado um parasito com pouco potencial patogênico, mas, em alguns casos, pode determinar quadros clínicos de desconforto abdominal. A grande maioria apresentou simultaneamente infecção por um ou mais microrganismos patogênicos.
Causadora da amebíase, a Entamoeba histolytica foi detectada em 71% das amostras. Vermes ancilostomídeos, que provocam o amarelão, e Ascaris lumbricoides, popularmente chamado de lombriga, foram observados em cerca de 20% das análises.
Os pesquisadores observaram, em menor frequência, a ocorrência do protozoário Giardia intestinalis, que provoca giardíase, dos vermes Trichuris trichiura, causador da tricuríase, e Enterobius vermicularis, que provoca enterobíase (também conhecida como oxiuríase). Todos os participantes da pesquisa receberam o tratamento adequado para as infecções, o que, segundo os pesquisadores, é fundamental para garantir a saúde e combater a desnutrição, que ameaça principalmente as crianças.
“Esses microrganismos causam diarreia e prejudicam a absorção de nutrientes. Isso agrava a desnutrição, aumentando o risco de morte das crianças, além de levar a problemas a longo prazo”, explicou Joseli.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda tratamento periódico com medicamentos adequados em localidades com alto índice de parasitoses intestinais. Para os cientistas, a medida é importante, mas é preciso pensar também em ações para o controle sustentável das parasitoses nas aldeias.
“Mesmo que se faça regularmente o tratamento comunitário, o ambiente está contaminado, e há um ciclo vicioso de infecção. É preciso pensar em formas alternativas de saneamento ambiental, que considerem as percepções indígenas sobre doenças, moradia, higiene pessoal e saúde ambiental”, disse a pesquisadora.
Malária
Alto índice de malária também foi observado na pesquisa. Usando a metodologia de PCR, que permite detectar a presença do DNA dos parasitos no sangue, a infecção foi diagnosticada em cerca de 15% dos participantes do estudo.
Mais de 80% das infecções foram submicroscópicas, ou seja, não foram detectadas por meio do exame de microscopia de gota espessa, tradicionalmente usado no diagnóstico da malária.
A pesquisadora explicou que a diferença ocorre porque a metodologia de PCR consegue detectar pequenas quantidades de parasitos no sangue. “Em áreas endêmicas, os indivíduos adquirem imunidade por serem muito expostos à malária e acabam apresentando baixa parasitemia [presença de parasitos no sangue] sem sintomas. A maioria dos casos positivos no exame de gota espessa ocorreu em crianças, mulheres grávidas e adolescentes, que são mais vulneráveis à doença.”
Os resultados recém-publicados são fruto de projeto de pesquisa iniciado em 2012. O trabalho incluiu uma ampla investigação sobre os vetores da malária em três diferentes áreas da terra indígena, com resultados já publicados. Foi estudada também a ocorrência de hepatites virais na população yanomami.