Barra do Garças (MT) viveu, recentemente, uma noite em que a arte urbana transcendeu a estética para se tornar território de denúncia, afeto e presença. A ação “A Arte Não É Descarte”, idealizada pelo artista visual Sérgio Astral e protagonizada pelo Coletivo Neutro, transformou a recém-nomeada Calçada da Cultura em um palco expandido de intervenções artísticas, performances poéticas e manifestações políticas. A iniciativa fez parte do Papo PNAB, um movimento do Comitê de Cultura de Mato Grosso que vem percorrendo o estado para discutir de forma horizontal e sensível a Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), colocando o fazer cultural no centro do debate público.
No coração da ação esteve a força coletiva: artistas, produtores, representantes públicos e a comunidade local se reuniram para celebrar a cultura que nasce das ruas e das margens. Foi mais que um evento; foi uma ocupação simbólica de espaços urbanos e subjetivos, onde a arte deixou de ser produto para se tornar gesto. A performance central, dirigida por Sérgio Astral, trouxe à tona a invisibilidade dos trabalhadores da cultura, ao mesmo tempo em que criava imagens que reverberam nos corpos de quem cria e resiste diariamente em ateliês, estúdios e palcos improvisados. A escolha do espaço – uma calçada revitalizada – foi estratégica e simbólica: a arte, ali, não apenas decorava o concreto, mas abria fissuras para que a beleza e a crítica respirassem juntas.
Coletivo Neutro: arte como denúncia e reconstrução
O protagonismo do Coletivo Neutro, formado por artistas de diferentes linguagens, deu o tom da noite: pintura, lambe-lambe, poesia, música e performance ocuparam o espaço público com uma força rarefeita de beleza e crítica social. A ação “A Arte Não É Descarte” não foi apenas uma encenação – foi um manifesto vivo. Inspirada no cotidiano de artistas periféricos que produzem em meio à precariedade e ao abandono institucional, a performance lançou luz sobre o papel social da arte urbana como meio de reconstrução simbólica e resistência cotidiana. Corpos em cena, pincéis em punho, vozes ecoando poesia – tudo colaborava para lembrar: arte é trabalho, é direito e é política de permanência.
Sérgio Astral, conhecido por seu trabalho com stencil, grafite e intervenção urbana, articulou uma encenação rústica e visceral, marcada por objetos reciclados, materiais cotidianos e um lirismo visual que emocionou o público presente. A escolha da palavra “descarte” no título é carregada de ironia crítica: se a sociedade tenta descartar a arte e seus criadores, o artista devolve em forma de potência criativa aquilo que seria lixo. E transforma. Com isso, o coletivo constrói não apenas um evento, mas um lugar de escuta, afeto e provocação, onde os limites entre arte, política e vida se embaralham.
PNAB com alma: escuta ativa e política feita nos territórios
A roda de conversa que se seguiu à performance teve um clima caloroso e mobilizador. Participaram da escuta nomes fundamentais da política cultural de Mato Grosso: Vannessa Jacarandá (Coordenadora Geral do Comitê de Cultura MT), Romulo Fraga (Coordenador Metodológico), Lígia Viana (representando o MinC em MT), Divino Arbués (presidente da ALCARTES), Marinalva Marques (Presidenta do Conselho Municipal de Política Cultural) e José Roberto Ribeiro (Secretário Municipal de Cultura). Mais do que discursos formais, o momento foi atravessado por falas potentes sobre os desafios enfrentados por quem vive da cultura, especialmente fora dos grandes centros.
A Política Nacional Aldir Blanc (PNAB) foi o ponto central do debate, não como uma normativa fria, mas como política pública feita com alma, de forma colaborativa, com participação ativa da sociedade civil. A escuta ativa promovida pelo comitê mostrou-se um gesto democrático fundamental: ouvir quem cria, entender os contextos locais e construir políticas culturais que respeitem os territórios. As falas reforçaram que é preciso mais do que recursos: é necessário garantir autonomia, continuidade e valorização dos saberes artísticos que brotam do chão. “A gente saiu de lá com o coração aquecido e a certeza de que a cultura é viva quando é feita junto”, resumiu uma das participantes ao final da roda.
Calçada da Cultura: arte que pulsa na cidade
O local do evento, agora batizado de Calçada da Cultura, é mais do que um espaço expositivo. Situado ao lado da Escola Militar Tiradentes, o espaço foi revitalizado com sete painéis de artistas locais e se consolidou como um novo ponto de encontro e fruição em Barra do Garças. A proposta da calçada é se tornar um território dinâmico, com feiras mensais, apresentações artísticas e vivências culturais. O evento da última quarta-feira foi a primeira de muitas ações que pretendem ocupar o espaço com arte urbana, música, artesanato e gastronomia.
Além de estimular a produção local, a Calçada da Cultura é um símbolo do que a arte pode fazer por uma cidade: criar vínculos, ampliar repertórios e provocar o olhar. É um espaço onde a performance artística dialoga com o público de forma direta, sem mediações. A rua, nesse contexto, deixa de ser um lugar de passagem para se tornar lugar de permanência, onde a arte é semeada como política de convivência. Com apoio da Comitiva da Cultura MT, a iniciativa mostra que intervenções artísticas não são eventos pontuais, mas processos vivos de transformação social.
A arte como gesto político e direito coletivo
Ao reunir performance, intervenção urbana e políticas públicas em um mesmo território simbólico, a ação “A Arte Não É Descarte” reposiciona a arte como um direito coletivo e como ferramenta de luta social. O encontro em Barra do Garçasevidencia como a cultura, quando articulada a partir dos territórios, tem potencial de gerar pertencimento, memória e mobilização. Não se trata apenas de levar arte às ruas, mas de escancarar as ruas como lugar legítimo de criação, crítica e afeto. A performance não apenas sensibilizou, mas convocou: para continuar criando, é preciso também exigir políticas públicas efetivas, financiamento, reconhecimento e, sobretudo, respeito.
O projeto também nos oferece uma lição importante sobre a importância de integrar arte e gestão pública de forma criativa e crítica. Quando artistas e agentes culturais participam ativamente da formulação de políticas, há uma chance real de que essas ações façam sentido no cotidiano dos territórios. E é isso que o Papo PNAB tem mostrado em Mato Grosso: que a cultura pulsa quando é feita com as pessoas, pelos lugares, nos corpos. Porque no fim das contas, como nos lembra o título da ação, a arte não é descarte — é o que nos resta quando tudo parece faltar.
Além de estimular a produção local, a Calçada da Cultura é um símbolo do que a arte pode fazer por uma cidade: criar vínculos, ampliar repertórios e provocar o olhar. É um espaço onde a performance artística dialoga com o público de forma direta, sem mediações. A rua, nesse contexto, deixa de ser um lugar de passagem para se tornar lugar de permanência, onde a arte é semeada como política de convivência. Com apoio da Comitiva da Cultura MT, a iniciativa mostra que intervenções artísticas não são eventos pontuais, mas processos vivos de transformação social.
Calçada da Cultura – Barra do Garças