A um clique do consumo
POR BÁRBARA VETOS
Faça o teste: abra seu Instagram agora e conte quantas publicidades aparecem em um simples deslizar de dedos. Em menos de um minuto de rolagem de tela, surgem dezenas de anúncios e indicações de produtos que você nem sabia que existiam, mas que, aparentemente, são de “primeira necessidade”.
A cada duas ou três postagens, há uma publicação patrocinada esperando por você. Se você gosta de roupas, basta se dedicar à leitura de um ou dois posts do gênero para começar a receber uma enxurrada de recomendações de itens semelhantes. São tantas opções, tamanhos, cores e modelos, que é difícil lembrar qual era seu objetivo inicial ao fazer o login.
O Brasil está entre os 10 maiores mercados de vestuário e acessórios do mundo – um setor que se expande cada vez mais para o digital. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor têxtil e de confecções representou cerca de 5% do PIB industrial brasileiro em 2022.
Dados da Confi.NeoTrust e da Infracommerce mostram que o segmento atingiu R$ 7,1 bilhões de faturamento no e-commerce, representando 9% do lucro total do mercado (R$ 77 bilhões). O crescimento se deve às facilidades oferecidas pelo universo digital – preços competitivos, comodidade, variedade e avaliações de outros compradores – e à quebra de barreiras geográficas.
De acordo com a pesquisa E-commerce trends 2025, realizada pela Octadesk e Opinion Box, 56% das pessoas afirmam que compram mais pela internet do que nas lojas físicas, 88% fazem pelo menos uma aquisição por mês e 50% pretendem aumentar sua frequência de compras virtuais ao longo dos próximos meses.
As blusinhas e as taxas
Com as novas possibilidades trazidas pela popularização do e-commerce no setor da moda, também surgiu a oportunidade de fazer compras internacionais – um potencial ampliado pela lógica do fast fashion. Com o rompimento das barreiras físicas proporcionado pelo digital, a questão geográfica deixou de ser um empecilho.
O processo ficou mais rápido com a ajuda de plataformas de marketplace e dropshipping. Se antes uma compra chinesa demorava de um a três meses para chegar ao seu destino, hoje os pacotes chegam em aproximadamente 15 dias. Para os consumidores, é ótimo. Para os vendedores, depende.
Em meio ao crescimento de gigantes como Shein, o governo brasileiro passou a taxar compras acima de US$ 50 com uma alíquota de 20% de imposto sobre a importação. A “taxa das blusinhas” se aplica a lojas como Shein, AliExpress e Shopee – que aderiram ao Programa Remessa Conforme, da Receita Federal –, e começou a valer em 1º de agosto de 2024.
Uma das justificativas seria proteger o mercado e o varejo nacional, além de um maior incentivo ao desenvolvimento tecnológico. A medida repercutiu negativamente entre os consumidores, mas positivamente pela indústria nacional. Uma pesquisa realizada pela Opinion Box revelou que 70% dos mais de 2 mil respondentes são contra a taxação de itens de moda para uso pessoal.
Em nota conjunta divulgada nas redes sociais, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), a Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex) e o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) consideraram a aprovação da taxação um importante avanço no debate sobre a necessária busca de isonomia tributária.
Com a mudança, dados da Secretaria da Receita Federal revelam que as encomendas internacionais no país apresentaram queda de 11% em 2024 em comparação ao ano anterior. Ao todo, foram registradas 187,12 milhões de compras contra 209,58 milhões em 2023. Apesar disso, a arrecadação de imposto de importação cresceu 40,7%, totalizando R$ 2,98 bilhões em 2024 – reflexos das taxações recentes.
Para Renato Martins, gerente de ESG e comunicação do Grupo Malwee, as regulações são uma forma de frear o modelo predatório das fast fashion estrangeiras. “Esse modelo está em um pico hoje, mas eu acredito que está com os dias contados, inclusive por todos os movimentos que temos visto internacionalmente de sustentabilidade e legislações”, comenta.
Oportunidade para os pequenos
Para Laura Nobrega, professora orientadora dos MBAs em Digital Business e Marketing na Universidade de São Paulo (Esalq-USP), isso tudo evidencia uma questão: o varejo precisa se reinventar. “Vivemos um momento em que o varejo físico está se esforçando para trazer novas estratégias para que o público seja atraído”, avalia. A inserção de vendedores e de lojas nacionais nas plataformas chinesas passa a ser uma estratégia de negócio e competitividade. “Acredito que isso traga benefícios ao empresário brasileiro, que tem ali um novo espaço para vender on-line para clientes que já estão vinculados à plataforma.”
Segundo Nobrega, para pequenos e médios empreendedores, aliar-se aos marketplaces tende a ser melhor do que desenvolver um site próprio em um primeiro momento. Existe uma possibilidade maior de atrair novos públicos que já utilizam a plataforma e cujo investimento em divulgação é menor.
Outro benefício está em romper com as barreiras geográficas. Na cidade de São Paulo, centros comerciais como Bom Retiro, 25 de Março e Brás têm grande importância econômica para o cenário nacional, movimentando o setor e atraindo turistas e revendedores de todo o país. Para a professora, essa dinâmica não seria interrompida com o e-commerce, mas expandida. “Aquele comerciante tem a oportunidade de que um cliente novo – que não mora naquela região e gostaria de ter acesso – se aproxime da marca e vire um cliente e consumidor efetivamente”, explica.
Revista ESG Insights nº 1 – Moda e sustentabilidade
Pra que tanta roupa? – Em meio a uma encruzilhada, a indústria tenta se reinventar
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