sábado, 23 novembro 2024
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Algas transformam oceanos na nova fronteira da agricultura

Da Redação Avance News

Durante séculos, elas foram apreciadas nas cozinhas da Ásia e negligenciadas em quase todos os outros lugares: aquelas fitas brilhantes de algas marinhas que dançam ao ritmo das ondas frias do oceano.

Hoje, de repente, elas são uma commodity global de sucesso. Estão atraindo dinheiro e um novo propósito em todo lugar por causa de seu potencial para ajudar a controlar alguns dos perigos da era moderna, como as mudanças climáticas.

Em Londres, uma startup está fazendo um substituto do plástico com algas marinhas. Na Austrália e no Havaí, outros estão correndo para cultivar algas que, quando transformadas em alimento para o gado, podem reduzir o metano do arroto dos bovinos. Os pesquisadores estão estudando quanto dióxido de carbono pode ser capturado por fazendas de algas marinhas, à medida que os investidores as veem como uma nova fonte de créditos de carbono para que os poluidores compensem suas emissões de gases de efeito estufa.

E na Coreia do Sul, um dos países produtores de algas marinhas mais estabelecidos do mundo, os agricultores estão lutando para acompanhar a demanda crescente de exportação.

Aquela que era principalmente uma indústria asiática relativamente pequena é agora cobiçada pelo Ocidente. Muito além da Coreia do Sul, novas fazendas surgiram no estado americano do Maine, nas Ilhas Faroé, na Austrália e até no Mar do Norte. Globalmente, a produção de algas marinhas cresceu quase 75% na última década. O foco está indo muito além de seu uso tradicional na culinária.

Mas mesmo que seus defensores a vejam como uma safra milagrosa para um planeta mais quente, outros temem que o cultivo no oceano possa replicar alguns dos mesmos danos da agricultura em terra. Pouco se sabe sobre como as fazendas de algas, particularmente as mais distantes, podem afetar os ecossistemas marinhos.

“Os defensores das algas acreditam que elas são a cura para tudo, uma panaceia mágica para os problemas climáticos. Os antagonistas acham que existe muito exagero”, disse David Koweek, cientista-chefe da Ocean Visions, consórcio de organizações de pesquisa que estuda intervenções oceânicas para a crise climática.

Há outro problema. As próprias algas estão sentindo o impacto das mudanças climáticas, particularmente na Ásia.

“A água está muito quente”, frisou Sung-kil Shin, agricultor de algas marinhas de terceira geração, enquanto trazia seu barco para o porto uma manhã na Ilha Soando, ao sul do continente sul-coreano, onde as algas há muito tempo são colhidas e cultivadas.

“Plástico” de algas marinhas

Pierre Paslier ganhava a vida projetando embalagens plásticas para cosméticos. “Para mim, era como se eu alugasse o meu cérebro para um grande poluidor plástico.”

Ele queria parar. Queria criar embalagens que viessem da natureza e desaparecessem na natureza rapidamente. Com um amigo da pós-graduação, Rodrigo García González, criou uma empresa chamada NotPla, abreviação de “not plastic”.

Em um armazém no leste de Londres, projetaram um sachê comestível de água, feito de algas marinhas e outros extratos de plantas: para tomar a água, basta colocar o sachê na boca. Projetaram outro para ketchup e um terceiro para cosméticos.

Começaram também a fazer um revestimento à base de algas marinhas para caixas de papelão para delivery. O Just Eat, aplicativo de entrega de comida na Grã-Bretanha, começou a usá-lo em alguns de seus pedidos, inclusive na final europeia de futebol feminino em julho, no Estádio de Wembley.

O segmento ainda é um nicho. O revestimento de algas marinhas, projetado para caixas de compostagem doméstica, é consideravelmente mais caro do que o revestimento de plástico usado hoje na maioria das caixas de comida feitas de papel.

Mas Paslier está olhando para o futuro. A União Europeia tem uma nova lei que restringe a utilização do plástico de uso único. Um tratado global de plásticos está em negociação.

“As algas marinhas não vão substituir todo o plástico, mas, quando combinadas com outras coisas, podem combater o plástico de uso único. Estamos só no começo”, afirmou.

Coletores de alimento do passado

Sob a luz cinzenta do amanhecer, Soon-ok Goh, uma mulher ágil de 71 anos, nadava nas águas rasas de Gijang, na costa sul da Coreia do Sul. Magra e pequena, usava pés de pato amarelos e roupa de mergulho. Emergiu por alguns segundos, respirou fundo no silêncio da manhã, depois mergulhou novamente, os pés de pato virados para cima.

Goh é uma das últimas praticantes de uma atividade que está desaparecendo. Desde o fim do século 7, mulheres como ela coletam algas marinhas selvagens e outros frutos do mar nas águas frias ao redor da Península Coreana.

Nessa manhã, com uma pequena faca cor-de-rosa na mão, cortou faixas verdes e amarronzadas brilhantes das grandes algas chamadas miyeok. Coletou caracóis marinhos presos às rochas, dois tipos de pepinos-do-mar e um punhado de ouriços-do-mar devoradores de algas. Colocou tudo em um saco.

Hye Kyung Jeong, historiadora de alimentos da Universidade Hoseo, em Seul, na Coreia do Sul, contou que, décadas atrás, quando não havia dinheiro para comprar arroz, era possível ir para o mar e encontrar algas marinhas. “Elas ajudaram as pessoas a sobreviver durante a escassez”, disse.

Esta não é a primeira vez que as algas marinhas ajudam a evitar uma crise.

Corrida armamentista viscosa

A nova fronteira para a produção de algas marinhas está além da Ásia. Steve Meller, empresário americano na Austrália, cultiva-as em tanques de vidro gigantes em terra —especificamente, uma alga vermelha nativa das águas da costa australiana chamada asparagopsis, que está na mira de empresas de pecuária como uma maneira de cumprir suas metas climáticas.

Uma pitada de asparagopsis na alimentação do gado pode reduzir entre 82% e 98% o metano de seus arrotos, de acordo com vários estudos independentes. O arroto do gado é uma fonte importante de metano, um potente gás de efeito estufa.

“Suponho a corrida para obter o primeiro suprimento comercial do mundo tenha começado. A demanda está em uma escala absurda”, declarou Meller.

Sua empresa, chamada CH4 Global, em homenagem à fórmula química do metano, está competindo para levar a asparagopsis aos bovinos. Pelo menos duas outras startups australianas, a Sea Forest e a Rumin8, estão na corrida por algas marinhas para o gado. Assim como a Symbrosia e a Blue Ocean Barns, ambas no Havaí.

A Fonterra, produtora de laticínios da Nova Zelândia, iniciou testes comerciais do suplemento de algas, e a Ben & Jerry’s está planejando testes próprios em breve. A gigante global de laticínios Danone investiu em uma startup de asparagopsis.

Ainda não se sabe com certeza se as algas marinhas podem causar um impacto no metano do gado. Nos Estados Unidos, há outro obstáculo a ser superado: a aprovação regulatória.

No entanto, essa pode ser a chave para que a indústria de carne bovina e laticínios consiga atingir as metas climáticas. Apenas as emissões dos sistemas alimentares, principalmente carne e laticínios, podem elevar a temperatura média global em um grau até o fim do século, ultrapassando o limiar do aquecimento global relativamente seguro, segundo pesquisadores.

Pressões climáticas

Aves marinhas mergulham e grasnam ao redor do porto de pesca em Soando, ilha do extremo sul da Coreia do Sul, enquanto o barco de Shin chega com a colheita da manhã.

Hoje com 44 anos, ele navega nessas águas há duas décadas e viu as mudanças climáticas virarem seu ofício de cabeça para baixo. Shin cultiva uma espécie de alga vermelha chamada piropia, que prefere a água fria durante sua estação de crescimento. Por isso, ele tem ido cada vez mais longe da costa em busca de ondas geladas.

Ele explicou que, em meados de abril (no começo da primavera do hemisfério norte), a água não está tão fria quanto a piropia gosta. Seu rendimento sofreu: “As pessoas querem mais algas hoje em dia. Mas não existem mais algas.”

Desde 1968, as águas onde Shin faz sua coleta aqueceram 1,4° C, um pouco acima da média global. É por isso que os cientistas sul-coreanos têm pressa em criar cepas que possam prosperar em águas mais quentes.

As fazendas de algas são muito diferentes das de milho e trigo que compõem a monocultura em terra. Mas, mesmo que signifiquem novas oportunidades, apresentam riscos ecológicos, muitos deles desconhecidos.

Podem bloquear a luz solar para as criaturas que precisam dela. Podem espalhar boias de plástico no oceano, que já sofre com muito plástico. Podem deixar seus detritos vegetais no fundo do mar, alterando o ecossistema marinho.

“Isso precisa ser feito com muito cuidado”, afirmou Scott Pillias, aluno de doutorado em economia que estuda sistemas marinhos na Universidade de Queensland. “Não devemos esperar que as algas nos salvem.”

Fonte: Folha de SP

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