sábado, 23 novembro 2024
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Alta Floresta comemora 47º aniversário

Aos 19 de maio de 1976 trabalhadores a serviço da Integração, Desenvolvimento e Colonização (Indeco) concluíram a abertura da estrada que mais tarde viria a ser homologada pelo estado de Mato Grosso – rodovia estadual MT-208 – abrindo caminho entre o km 643 da BR-163 (então recentemente construída pelo 9º Batalhão de Engenharia e Construção do Exército Brasileiro) até a área onde seria a cidade de Alta Floresta.

Esta é a razão pela qual o aniversário daquele município é celebrado nesta data.

Para entender o nascimento da já quase cinquentenária urbe, há exatos 47 anos em meio à imensidão amazônica, é preciso recuar ainda bem mais no tempo, e a outro espaço geográfico, mais precisamente a pequena Agudos, no interior paulista – onde nascera aos 25 de novembro de 1915 um menino ‘oriundi’, filho de casal italiano, Ludovico da Riva, maestro e professor de música, e Vitória Furlan da Riva, inteiramente dedicada aos afazeres domésticos, “do lar” dizia-se antigamente.

Batizaram o rebento de Ariosto da Riva (1915-1992), desbravador cuja própria história em grande medida confunde-se com a de Alta Floresta, tal se verá mais adiante.

PIONEIRO

“Viveu com os pais até os 16 anos de idade, quando saiu para tentar a vida nos garimpos de diamantes. Seu primeiro destino foi a região serrana do Espírito Santo, no município de Santa Teresa. De lá foi para Serra do Sincorá na Bahia, na Chapada Diamantina. Buscando diamantes, Ariosto foi para Diamantina, Minas Gerais. Sempre atrás da maior gema de diamante possível, foi para o rio Maú, na Amazônia, divisa entre o estado de Roraima, a Guiana e a Venezuela. Nessa região conseguiu acumular capital por meio das pedras preciosas, adquiriu uma porção de terra em Diamantina e voltou para Minas Gerais. Em Diamantina, casou-se com a professora Helena e lá nasceram seus quatro filhos: Ludovico, Vitória, Marília e Vicente. No mesmo município, continuou a garimpar diamantes, chegando a desviar o leito do rio Jequitinhonha para a sua propriedade. Após buscar diamantes em toda a sua mocidade, montou uma lapidadora de pedras preciosas e semipreciosas em Belo Horizonte”, contam o economista Armando Wilson Tafner Junior e o historiador Fábio Carlos da Silva em luminar artigo acadêmico intitulado “Alta Floresta: uma colônia de Ariosto da Riva em Mato Grosso” – para baixar e ler, disponível no link (https://periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/download/2527/4091), no sítio eletrônico da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Com o ‘pé-de-meia’ amealhado nas lavras diamantíferas e no lapidar a preciosidade das pedras brutas, Ariosto comprou um sítio de 15 hectares em Marília, interior de São Paulo, no qual havia plantação de café, coisa de mil pés – vizinho à imensa fazenda cujo dono era ninguém menos que o rei do café, Geremia Lunardelli.

Ariosto prestava serviços para a fazenda vizinha e acabou por conhecer pessoalmente Lunardelli, de quem conquistou confiança e para quem passou a trabalhar diretamente.

“O rei do café estava diversificando os seus negócios no Norte do Paraná, loteando uma gleba de sua fazenda, que tinha sido atingida pela geada e que foi denominada Lunardelli por Ariosto da Riva. A ideia era colonizar a região vendendo os lotes para os trabalhadores de café. Ariosto da Riva foi seu homem de confiança para esta empreitada”, contam Tafner e Silva, ambos os doutores e catedráticos, respectivamente nas universidades federais de Mato Grosso e do Pará.

Com Lunardelli, Ariosto aprendeu o riscado e fundou a própria empresa, a Colonizadora Vera Cruz Ltda, em 1952, após o governo de Getúlio Vargas distribuir 300 mil hectares na Colônia Agrícola Nacional de Dourados. Ariosto adquiriu parte dessas terras – margeadas pelo rio Amambaí -, e ali iniciou seu primeiro empreendimento no ramo – que mais tarde originaria o município de Naviraí, em Mato Grosso do Sul.

TERRA PROMETIDA

Em dissertação apresentada no ano de 2015 ao programa de pós-graduação em Educação no Instituto de Educação e Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso – requisito para a obtenção do título de mestre em Educação na área de História da Educação e Memória- sob o título “Escola, Colonização e Formação da Identidade do Colono: História e Memórias da Terra Prometida de Alta Floresta (1976-1982)”, Clailton Lira Perin lança ainda mais luz, sob privilegiado ponto de vista de quem viveu os acontecimentos – filho de agricultores, veio do sul ainda criança e viu nascer Alta Floresta. O trabalho acadêmico está disponível na página da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) – (https://ri.ufmt.br/bitstream/1/150/1/DISS_2015_Claiton%20Lira%20Perin.pdf).

“Esse contexto migratório fez parte da minha vida, pois com apenas sete anos de idade, deixei o Paraná acompanhando meus pais e viemos para Alta Floresta atraídos a trabalhar de meeiros na propriedade de um compadre do meu pai. Esse deslocamento, estimulado pela intensa propaganda, objetivou melhorar a condição de vida da família e, principalmente, o sonho de adquirir terra própria. Isso porque, nas propagandas, se pregava que só não conseguiria terra na região se o migrante não fosse trabalhador, pois com trabalho e dedicação, tudo seria possível de se conseguir na terra prometida”, recorda Perin.

Indispensável aqui contextualizar o período – anos 1970 do século passado, sob o governo militar, que tornou em política de Estado o objetivo de preencher o imenso ‘vazio demográfico’ da Amazônia brasileira.

Para o governo militar, a atenção se voltava ao povoamento, principalmente, da Amazônia, obedecendo ao Programa de Integração Nacional, lançado pelo então presidente Emílio Médici, que concebeu a ocupação do espaço amazônico baseado na construção de duas grandes rodovias: a Transamazônica e a Cuiabá-Santarém.

Nesse contexto, o governo militar forjou uma ideia de região amazônica como um lugar inabitado e que precisava ser ocupada e integrada às demais regiões do país. Para isso, criou o discurso do “integrar para não entregar”, “levar os homens sem-terra para as terras sem homens”, pois se fazia necessário o desenvolvimento de políticas nacionais para atender tais objetivos. Para isso, era preciso a consolidação do poder do Estado sobre tais espaços, através do: povoamento, crescimento econômico, desenvolvimento de uma rede urbana, implantação de redes de transportes e comunicações.

Um empreendimento que envolveu, portanto, um conjunto de políticas territoriais.

As políticas de ocupação desenvolvidas pelo governo militar tinham embasamento teórico partindo da Escola Superior de Guerra, que foi o principal órgão divulgador das teorias geopolíticas no Brasil. Assim, para entender a visão dos militares sobre a região amazônica é necessário destacar dois temas: fortalecimento da Escola Superior de Guerra (ESG), com a ascensão de alguns de seus representantes ao primeiro escalão governamental, e a consequente influência das teorias geopolíticas na administração federal.

O Estado propôs um modelo de colonização oficial, a cargo do INCRA. Sua concepção está expressa no Decreto nº 59.428/1966, que preconizava no artigo 5º: “colonização é toda atividade oficial ou particular destinada a dar acesso à propriedade da terra e a promover seu aproveitamento econômico, mediante o exercício de atividades agrícolas, pecuárias e agroindustriais, através da divisão em lotes ou parcelas, dimensionados de acordo com as regiões definidas na regulamentação do Estatuto da Terra, ou através das cooperativas de produção nele previstas”.

O governo militar justificou e estimulou a colonização particular na Amazônia sob a força de decretos-lei, em nome do desenvolvimento econômico e do bem-estar social.

MILITARES

Proprietário do cartório Dalla Riva – o primeiro de Alta Floresta – Mário César Dalla Riva era sargento do Exército e foi para Cuiabá transferido do Rio Grande do Sul, junto com o 9º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC), que estava encarregado de construir a BR-163. Questionado sobre como conheceu Ariosto da Riva, respondeu:

– Por motivos religiosos eu frequentei a casa do coronel José Meirelles, cuiabano que foi prefeito e era o comandante do 9º BEC. Ele frequentava minha casa, eu frequentava a casa dele e quando acabei meu curso de Direito ele me disse para ir para Alta Floresta trabalhar com a Indeco. Eu já tinha 20 anos de serviço e ele me falou o seguinte: você tira sua licença de seis meses e fica responsável pela construção da estrada [MT-208]. Se te agradar você fica trabalhando lá, se não te agradar você volta. Dito e feito! Vim pra cá. Fiquei com uma função burocrática no financeiro da Indeco, cuidando da folha de pagamento e acabei ficando e dei baixa no Exército, em 1975.

A resposta de Dalla Riva evidencia forte ligação de Ariosto da Riva com os militares.

O coronel José Meirelles enviou um sargento para trabalhar na Indeco por seis meses já aceitando a sua liberação e a saída do Exército. Certamente que a construção da MT-208, estrada que liga a BR-163 a Alta Floresta, já estava nos planos do governo militar em 1976, pois Dalla Riva foi enviado para lá em 1975. A construção da estrada foi finalizada em 1981.

ARIPUANÃ

Ariosto da Riva, que já havia iniciado colonização em Naviraí (MS), na fronteira com o estado do Paraná, por meio de sua empresa Colonizadora Vera Cruz Ltda., entre os anos de 1952 e 1963, posteriormente destinou suas atenções ao Norte mato-grossense. Adquiriu 400 mil hectares nesta região, que antes da aquisição do colonizador, seriam destinados a um projeto científico integralmente dedicado à Amazônia.

O projeto Aripuanã consistia em criar a Cidade Científica de Humboldt.

Caberia a essa universidade, chamada na época de Uniselva – embrião da UFMT -, realizar o levantamento de capital natural na região, apontando alternativas não predatórias e o aproveitamento racional das potencialidades oferecidas pelo bioma amazônico.

A pesquisa seria o instrumento para o desenvolvimento da região e a preservação do ecossistema. Até mesmo as novas obras de infraestrutura teriam que se enquadrar aos conceitos estabelecidos na região para evitar danos sociais, econômicos e a destruição inútil das reservas naturais.

Ideias atuais pensadas há mais de 40 anos – que não saíram do imaginário.

“Os dois milhões de hectares onde seria construída a cidade científica foram ‘leiloados’ e dentro dessa área estavam os 400 mil hectares adquiridos por Ariosto da Riva. E o grande objetivo do projeto Aripuanã, que era o de promover a integração da Amazônia de forma científica e racional, diametralmente oposta à da Transamazônica e a filosofia de abrir estradas”, lecionam Tafner e Silva.

“Tal como ocorreu com o projeto Alto Turi, elaborado pela Sudene em 1962, Humboldt foi finalmente vencido pelos seus maiores inimigos: os interesses estrangeiros pelas jazidas minerais amazônicas, e os grandes grupos econômicos nacionais e estrangeiros – abençoados pelo então governador de Mato Grosso, José Fragelli – interessados na industrialização da madeira e na substituição das florestas por imensas pastagens”, informava em 1975 o jornal “Opinião”.

CODEMAT

Com o poder econômico concentrado no Centro-Sul, assim como as grandes empresas, o projeto Aripuanã foi desfeito e suas terras cedidas à Codemat em 1973. Era o maior estoque de terras devolutas do Estado e que foi destinada a projetos de colonização, exploração agroindustrial e agropecuária, industrialização de celulose, mineração e cooperativas mistas de produção e consumo, para quatro empresas que conseguiram esse direito em um processo licitatório.

O governo federal, por meio do Incra, concedeu à Codemat o direito de reorganizar a ocupação da Amazônia mato-grossense por meio de projetos de colonização da iniciativa privada.

A Codemat que já vendia terras devolutas a empresários desde a década de 1950, passou também a organizar os projetos de colonização – com generosos incentivos fiscais.

Em 5 de outubro de 1973 Ariosto da Riva assinou a escritura dos 400 mil hectares adquiridos e que deram origem aos municípios de Alta Floresta, Paranaíta e Apiacás. Era o início da construção do município de Alta Floresta, que posteriormente foi tratado como um modelo de colonização, e passou a fazer parte dos discursos políticos, aparecendo em diversos veículos de comunicação. Não era mais uma tentativa de ocupação da Amazônia, mas sim um projeto organizado, com todas as chances de ser um sucesso como não havia ocorrido até então.

INDECO

Por aquela mesma época, o visionário Ariosto da Riva já havia adquirido gleba de terras naquele pedaço até então indevassado da selva amazônica ao norte mato-grossense, onde dali a pouco mais de duas décadas surgiria Alta Floresta. O próprio contou em entrevista ao Jornal de Alta Floresta, em 1989:

“Na época chegou ao meu conhecimento que a empresa Índia S. A., do Rio de Janeiro, possuía uma área de 418 mil hectares nesta região e devido à distância, desistiu de levar adiante seu projeto de colonização. Gostei, achei interessante, que valia a pena e comprei”.

Anos depois, com projeto elaborado, Ariosto participou da concorrência pública aberta pelo Edital nº 03/73, de 25 de julho de 1973, da Companhia de Desenvolvimento do Estado do Mato Grosso (Codemat), que colocou à venda dois milhões de hectares, terras devolutas estaduais, para fins exclusivos de colonização, divididas em duas áreas: sendo uma no vale do Juruena, com 1,6 milhão de hectares, e a outra, de 400 mil hectares, em Aripuanã.

“A Indeco teve seu projeto aprovado pelo INCRA pela Portaria nº 611 de 25 de abril de 1975, conforme consta na Escritura Pública Declaratória de Condições de Aquisição de Lotes Urbanos da Colonizadora Indeco, registrada no Cartório do 6º Ofício de Cuiabá em 6 de outubro de 1977. Assim, Ariosto ao ganhar a licitação de 400 mil hectares do estado de Mato Grosso, agrega essa área à comprada anteriormente da empresa Índia S.A., de 418 mil hectares, dispondo um total de 818 mil hectares para comercialização de terras para colonos migrantes”, explica Perin.

Em depoimento ao então mestrando, seu filho Vicente da Riva, que participou ativamente do projeto de construção de Alta Floresta, alegou que, quando a licitação foi feita, seu pai, Ariosto, estava capitalizado e já havia feito um acerto com o Grupo Ometto, que era uma grande empresa agropecuária à qual estava associado, para fundar a Indeco.

Após a aquisição, Ariosto sobrevoou a região e em seguida organizou uma expedição com 25 homens, via fluvial, a fim de conhecer melhor a área e explorá-la, conforme ele mesmo relatou à reportagem do Boletim da Associação dos Empresários da Amazônia, em 1984.

“Nós descemos o rio Teles Pires de barco, com uma equipe que trouxemos de Minas, uma aventura de quase três meses, chegamos a perder um homem, para poder entrar dentro dessa área. Abrimos uma pista, tiramos terra para exame de solo, para plantar arroz, feijão, milho, hortelã ou então fazer testes com agricultura, principalmente lavouras brancas”.

No barco, além dos homens, alimentação, remédio, gerador de força, combustível. E foi à margem do Teles Pires que se construiu ‘no muque’ uma pista de pouso.

“Nessa pista foi feito análise de solo, encontrou-se também muito cacau nativo. Ali se plantou dendê, café, cacau e foram feitas algumas experiências agrícolas. O sonho de Ariosto tornava-se mais palpável” relata matéria publicada pela Folha de Londrina em 1986.

A gleba Indeco que posteriormente viria a ser Alta Floresta estava a 207 km da BR-163. Esta gleba tinha o mesmo nome da empresa compradora da área e que foi responsável por sua ocupação. A Integração, Desenvolvimento e Colonização (Indeco), de propriedade de Ariosto da Riva, foi criada para promover a colonização no Norte de Mato Grosso. Primeiramente em Alta Floresta e posteriormente em Apiacás e Paranaíta. Foi por meio da Indeco que Ariosto começou as obras de infraestrutura de Alta Floresta, dando início ao processo de colonização.

ÍNDIOS

Quando o governo intensificou as vendas de terras devolutas, a política de expansão foi concretizada no Norte do Mato Grosso. Foram abertos processos de licitação onde empresas particulares adquiriram grandes porções de terras para implementar seus projetos de colonização privados. Assim foi aberta a Amazônia para a colonização denominada pelo governo de ordenada.

Mesmo assim, a política de ocupação da Amazônia continuou sendo executada da mesma forma, com imigrantes que mantinham suas práticas agrícolas predatórias e que não tinham qualquer conhecimento da região. O que realmente importava para o governo era uma nova organização do movimento migratório, formando a ocupação relativa.

Os empresários colonizadores, novos proprietários das terras devolutas, faziam a seleção de acordo com as suas convicções. Os promotores do processo de colonização dividiam suas terras em pequenos lotes e comercializavam com os novos colonos se esses estivessem dispostos a se enquadrar no projeto de desenvolvimento local elaborado pelos colonizadores que estavam articulados com o governo militar.

A política de ocupação foi implantada por meio do decreto federal nº 59428 que exibiu em seu conteúdo, a afirmação de que o promotor da colonização dirigida teria que ter comprovada a sua vocação para o exercício, e dessa forma, apresentou a colonização privada como um processo ordenado e seletivo, a qual tinha a segurança buscada pelos migrantes, pois seria capaz de conduzi-los à emancipação econômica.

A colonização dirigida, como parte de um referencial mais amplo, a política agrária, compreende a ocupação efetiva de áreas territoriais até então incultas e despovoadas, com o objetivo de incorporá-las produtivamente ao restante do país, ou ainda, como forma de garantir os limites de suas fronteiras. Implica na existência de terras despovoadas ou com reduzida população, de pessoas dispostas a migrar e, ainda, de recursos financeiros indispensáveis à realização de obras de infraestrutura básicas à instalação dos colonos.

A expansão da fronteira agropecuária e a ocupação dos vazios demográficos são afirmações contraditórias, pois na região em que foram leiloados dois milhões de hectares, onde atualmente se encontra o município de Alta Floresta, havia grupos de posseiros que se fixaram na região após o fim do ciclo da borracha amazônica e também camponeses que chegaram à região em busca de terras e estavam há décadas instalados e realizando atividades agrícolas de subsistência.

Além de posseiros e camponeses, a serra do Cachimbo era ocupada por silvícolas.

Em 1968 os levantamentos aéreos realizados na região haviam confirmado a existência de oito aldeias de Kran-Acarôres numa área de aproximadamente trezentos quilômetros quadrados. Calculava-se a existência de mais ou menos 1.500 índios.

Os militares do 9o BEC, ao abrir caminho para a implementação da BR163, fizeram os primeiros contatos com os índios. Junto com os soldados estavam funcionários da colonizadora. Posteriormente vieram colonos, garimpeiros, todos ocupando o mesmo espaço.

Problema que afetou diretamente os indígenas, que nômades, alternam de tempos em tempos o seu espaço de vivência – acabaram por recuar, adentrando cada vez mais para o Norte. Mas a velocidade do avanço do homem branco na mesma direção era maior.

A imposição do homem branco, inclusive com o uso de armas, acabou por fazer os silvícolas sucumbirem e derrotados, desestabilizados, segregados e destribalizados, os Kran-Acarôre se instalaram nas beiras das estradas mendigando, pedindo alimentos e prostituindo suas mulheres.

A colonizadora Indeco sempre afirmou que não existiam índios na região de Alta Floresta, porém o processo de licitação das terras que foi realizado teve as negociações das condições tratadas à revelia dos indígenas que habitavam a região. Para a instalação da colonizadora houve conflitos – negados por Ariosto da Riva sempre quando questionado.

A existência de índios nas terras onde hoje está Alta Floresta é certa devido a evidências até hoje encontradas, como ferramentas e instrumentos a exemplo de peças que auxiliavam na alimentação e na caça indígena. Ainda há um ponto de turismo denominado Pedra do Índio, onde se encontram vestígios da existência dos silvícolas.

Antes da licitação, além dos índios, os posseiros estavam nos arredores da área.

Frustrada a implementação do Projeto Humboldt, resultou que famílias se aproximassem das terras devolutas. Expedições organizadas pela Indeco com objetivo de conhecer as terras ocorriam com frequência mesmo antes do processo de licitação. Houve tentativas de invasão e o governo militar providenciou algumas medidas para impedir – promoveu uma barreira instalando o 16o BEC em Colíder (ponto de intersecção entre a BR-163 e a MT-208) para cercear o direito de ir e vir de possíveis posseiros.

Mas estes não se intimidaram e permaneceram lutando pela terra na região. Para evitar conflitos, frente à resistência o governo militar criou um projeto de assentamento na região para atender aquelas famílias por meio do sistema cooperativista e afastá-los de onde seria construído o município de Alta Floresta – os dois principais assentamentos deram origem aos municípios de Terra Nova do Norte e Guarantã do Norte

URBE

Quando chegaram ao local planejado para erguer a urbe – aos 19 de maio de 1981, conforme registrado lá no início – os homens da Indeco instalaram um acampamento para pouso e fornecimento de alimentos. Os primeiros visitantes e compradores foram recebidos nesse acampamento.

As obras de infraestrutura começaram a ser construídas ao mesmo tempo, impressionando quem fosse para Alta Floresta. Nas palavras do próprio Ariosto em 1989, à Folha da Floresta, “para colonizar, principalmente com o pequeno e com o médio você tem sucesso se tiver uma terra muito boa, e que dê uma boa resposta”.

“Agora, independente da qualidade da terra, que é vital, você precisa de infraestrutura para poder dar apoio para o pessoal que vem para cá. Então tendo a terra boa, nós procuramos desde o início dar esse apoio. Fizemos logo na cidade hospital, colégio, escola, armazém, procurando dotar a região de certa infraestrutura para inspirar confiança no colono que aqui chegasse”, recordou ao jornal.

Mas a Indeco não se limitou a esperar os visitantes na sede do município. Conforme as construções de infraestrutura foram avançando, as demarcações dos lotes rurais e urbanos foram sendo executadas, assim como a abertura das estradas vicinais dentro do município. No Sul do país, mais precisamente no Norte do Paraná, foram sendo instalados escritórios para vender as terras do Norte de Mato Grosso. A especulação espalhou-se pela região. Caravanas eram articuladas pelos corretores para visitarem as novas terras que foram elevadas à salvação econômica para quem não tinha alcançado a independência financeira.

“O Norte de Mato Grosso com suas terras férteis, isentas de geadas ou inundações, temperatura média anual de 24 e 26 graus, regime de chuva em torno de mil milímetros anuais e bem distribuída é uma das raríssimas oportunidades que o Brasil de hoje está lhe oferecendo. Alta Floresta é mais do que isso, é uma certeza de êxito, sobram terras e falta mão-de-obra para tudo”, prometia em 1982 o material de propaganda da colonizadora.

A publicidade não se restringia somente às cidades que tinham escritório da Indeco.

Corretores em outras cidades apresentavam as novas terras nos municípios que não tinham ponto específico de vendas. Nessas cidades eram feitas reuniões na residência de alguns moradores, que chamavam os amigos para participarem, e durante as reuniões eram exibidas fotos do projeto da colonizadora.

A imagem convencia, persuadia, e quem não estava vivendo em boas condições econômicas, acabava por visitar o projeto. Chegando à sede de Alta Floresta as terras eram oferecidas. Quem adquiria um lote não pagava a viagem, quem não comprasse nada teria que pagar as despesas.

Quando retornavam de uma viagem longa, como era o caso de ir do Norte do Paraná para Alta Floresta, todos contavam aos amigos o que haviam visto. É comum no interior, a curiosidade sobre viagens de pessoas próximas, sendo normal que surjam indagações, principalmente sobre o que então era desconhecido no Sul do país. Nessas conversas surgiam perguntas sobre a infraestrutura, qualidade de solo, clima e legalidade das posses das terras. Quando voltavam a sua cidade de origem, os colonos que não adquiriam as terras na viagem eram constantemente procurados por corretores que lhes passavam a informação de como estava o andamento do projeto. Foi formada, no norte do Paraná, uma longa rede de propaganda que se estendeu por toda a região. Mudar para um lugar que teria terras com solo fértil, e com o clima ideal apresentando as condições necessárias para o cultivo agrícola, significava a possibilidade concreta da emancipação econômica.

Alta Floresta se apresentava como o lugar ideal. Tudo era muito comum. Imagens das aberturas e da manutenção de estradas, construções da cidade, o crescimento das primeiras lavouras e as estatísticas que Alta Floresta apresentava. No segundo ano de existência Alta Floresta já possui 12 milhões de pés de café plantados, 3,5 milhões de pés de cacau, sendo o único polo cacaueiro do Estado. O crescimento foi rápido.

EMANCIPAÇÃO

Um ano após o início da implementação do projeto, a área foi elevada a distrito de Aripuanã. Em 18 de setembro de 1979, menos de três anos após o início das obras, foi elevado à categoria de município, por força da Lei nº 4.157 – propositura apresentada pelo então deputado Osvaldo Sobrinho, aprovada pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) e publicada aos 18 de dezembro daquele ano. O documento original, assim como significativo acervo de valiosos registros sobre a história do estado no período republicano, especialmente a produção legislativa, encontra-se sob a guarda do Instituto Memória do Poder Legislativo (IMPL), aberto a consultas e pesquisas a estudiosos, professores e estudantes particularmente, de resto a toda a sociedade mato-grossense.

Alta Floresta ainda estava em fase de estruturação e até 31 de janeiro de 1981 a Indeco respondeu pelos problemas municipais. Na data mencionada, Wanderlei Alves Pereira tomou posse como o primeiro prefeito de Alta Floresta – administrou a cidade em parceria com a colonizadora. O lema de seu mandato foi: nada resiste ao trabalho, frase repetida por Ariosto da Riva incansavelmente ao longo do processo de colonização.

O poder público municipal atuou em parceria com a Indeco até o ano 2.000, quando Vicente da Riva, filho de Ariosto da Riva, não conseguiu a reeleição. Nesse período a imagem de Alta Floresta continuava sendo vendida como exemplo de um resultado positivo da iniciativa privada no processo de colonização.

Em apenas dez anos, Alta Floresta já era um sucesso.

GARIMPEIROS

No fim da década de 1970 do século passado – e primeira metade da seguinte – o preço do ouro aumentou significativamente. Em 1978, a onça (oz) valia US$ 403,98 e já no ano de 1980, a mesma medida era comercializada por US$ 892,83. O rápido aumento do preço do ouro, que já era alto, chamou a atenção do poder público que passou a incentivar e investir em pesquisas, buscando aumentar a extração do ouro na Amazônia.

O ouro no norte mato-grossense foi descoberto no rio Juruena em 1978. A jazida era distante da sede de Alta Floresta, mas a busca pelo metal atraiu grande quantidade de garimpeiros que necessitavam, conforme ia aumentando o contingente, de maior espaço.

A quantidade de colonos que chagava ao município também aumentava e Alta Floresta também se ia expandindo. O conflito de interesses entre agricultores e garimpeiros tornou-se inevitável. A ideologia do colono estava em perigo e Ariosto da Riva, monopolizador do pensamento da cidade, condenou o garimpo.

“Chegou a haver oito, dez mil garimpeiros que quiseram dominar a cidade, implantar bordel, cabaré, no meio das famílias. O pessoal queria ir embora. O paranaense que veio pra cá – eu vou falar paranaense, mas é o paranaense, o paulista, o gaúcho –, é todo este povo que passou pela escola agrícola do Paraná, veio pra cá pensando no amanhã. Aqui todo mundo só pensa em trabalho, trabalho e trabalho” recordou o colonizador em 1985 à Revista Contato.

Os garimpeiros, que não eram sulistas, foram exorcizados por Ariosto da Riva.

Por ter uma formação de identidade cultural diferente do colono, o garimpeiro aparece como uma ameaça à propriedade privada e à família. O agricultor preza a terra, a família, e quer erguer uma igreja a cada esquina. O garimpeiro despreza a terra – dela só quer explorar o lucro imediato do ouro –, anda desgarrado da família e prefere um bordel a cada esquina.

Conforme os garimpeiros foram chegando, Alta Floresta foi se transformando. Mestiços, negros, caboclos e mulatos, sempre identificados como “nordestinos”, chegavam aos milhares. Ariosto da Riva reconhece que chegou a expulsar alguns trabalhadores, mais pobres, que se dirigiam ao município.

“Eu cheguei a proibir isso. Exatamente porque do Pará vinham esses garimpeiros. Não sei se você conhece Itaituba? Itaituba tem uma casa de família, um cabaré, um vendedor de maconha e depois uma casa de família de novo. É uma degradação. Se há um lugar onde se deveria jogar uma bomba atômica, este lugar é Itaituba. É um pecado. E eles queriam fazer disto aqui uma Itaituba”, revelou Ariosto na mesma entrevista.

A colonizadora Indeco, para que não houvesse mudança na estratégia de ocupação da região, criou, por meio da violência, uma luta que visava os interesses da empresa, ou seja, garantir a integridade do projeto de colonização. A Indeco controlou por mais de dois anos a entrada e saída de migrantes em Alta Floresta. A ferramenta utilizada para fazer a triagem era a balsa, de propriedade da colonizadora, que era necessária para fazer a travessia do rio Teles Pires. O primeiro direito constitucional, o de ir e vir, não funcionava em Alta Floresta para os “nordestinos”.

Construída uma identidade para os garimpeiros, esta foi relatada aos colonos, e estes últimos, ao assimilar o discurso e a posição da colonizadora, organizaram-se para tentar expulsar os garimpeiros que chegavam à Alta Floresta. O conceito de que os garimpeiros eram um ameaça à ordem municipal, pois seus hábitos e costumes eram impróprios perante a sociedade local foi assimilado pelos colonos, que se mobilizaram. Em 11 setembro de 1979, os agricultores – usando facões e enxadas – expulsaram da cidade centenas de garimpeiros e algumas prostitutas – evento até hoje conhecido como a “vitória dos colonos”.

Apesar desta vitória, o garimpo se manteve inarredável.

A reação violenta dos colonos de Alta Floresta demonstra que, para eles, os garimpeiros eram vistos como uma praga agrícola que deveria ser combatida. Mas ainda que “centenas” de garimpeiros tenham sido expulsos, a notícia da descoberta de áreas de mineração na região de Alta Floresta se espalhava por todos os garimpos do Brasil, atraindo milhares de garimpeiros. A atividade mineradora atraía os trabalhadores das colonizações públicas, comandadas pelo Incra, que fracassaram.

A colonização de Alta Floresta, não atraiu somente os colonos selecionados pelos escritórios da Indeco no Norte do Paraná. Houve um fluxo de trabalhadores que buscavam se alocar no mercado de trabalho. Para os que não conseguiam uma colocação a saída também era o garimpo. Os locais de garimpo se proliferavam nas proximidades das áreas agrícolas pertencentes à colonizadora. Não havia estradas que levassem às áreas de garimpos. O único meio de transporte era o avião. Alguns investidores, antigos garimpeiros de outras regiões do Brasil, abriram estradas em meio à mata, construindo pistas de pouso de aviões que traziam e levavam o ouro e os garimpeiros. Ao lado destas pistas nasciam vilas que recebiam infraestrutura como farmácias, armazéns, ao lado das cabanas dos garimpeiros.

CABEÇA

Um desses homens que abriram uma pista de pouso em meio à mata, às margens do rio Paranaíta, foi o cearense Eliézio Lopes de Carvalho, conhecido em Alta Floresta como “Cabeça”. A “pista” do Cabeça, tinha 500 metros de extensão e 40 metros de largura. Foi a principal pista de Alta Floresta, construída em 4 dias, sendo inaugurada aos 2 de dezembro de 1981.

Na pista do Cabeça, além da infraestrutura já mencionada, havia um hospital e uma escola que comportava 30 crianças. Mas também havia os cabarés. Parte dos lucros de todos os estabelecimentos, a cobrança de pousos e decolagens e uma porcentagem da venda de ouro iam para as mãos do proprietário da pista. De 1981 a 1985, período de funcionamento das atividades mineradoras na pista do Cabeça, cerca de 10 mil garimpeiros trabalharam no local.

Cabeça também sabia como aumentar a sua arrecadação, estimulando os garimpeiros a gastarem o ouro que conseguiam: promoveu shows artísticos em sua pista; Amado Batista, Waldick Soriano, José Augusto, e Cláudia Barroso lá se apresentaram.

O avião de transporte dos garimpeiros sempre estaria à disposição, custando seis gramas de ouro cada passagem. A viagem de Alta Floresta até a pista do Cabeça durava quinze minutos.

Em 1988 eram contadas 57 pistas como a do Cabeça em Alta Floresta.

Esse ambiente era formado por trabalhadores vindos de todas as partes do Brasil. Muitos largaram suas famílias e estavam em busca do ouro para alcançar a independência financeira. Andavam pela Amazônia procurando o Eldorado. Eram garimpeiros que se deslocavam constantemente, e que não se submetiam às regras de controle de produção e comercialização de seus resultados e não eram atingidos por qualquer instituição externa. Era como se fosse uma terra sem governo.

Cada um tinha o direito de, pela força, ou pela inteligência vir a ditar sua própria norma.

O colonizador teria que criar novas maneiras de lidar com o “novo”, com o “outro”.

Para manter os garimpeiros longe do espaço da colonização, a Indeco agiu cedendo à racionalidade dos garimpeiros. Quando o ouro foi descoberto à margem do rio Teles Pires, já dentro de terras pertencentes aos colonos, Ariosto da Riva chamou Benedito Vieira da Silva e delegou a ele a responsabilidade de cuidar dos garimpos. Homem de confiança de Ariosto, Benedito Vieira apressou-se em construir a infraestrutura e organizar os garimpos.

 Depois de tudo providenciado, o colonizador anunciou em Alta Floresta: uma colônia destinada aos garimpeiros recém-chegados e garantiu que abriria mão de qualquer lucro no garimpo desde que eles não se metessem em terras de colonos.

Benedito Vieira montou uma “pista” assim como tantas outras que havia no município, e esta era uma espécie de filial da Indeco. As ações da colonizadora acabaram melhorando as condições de trabalho dos garimpeiros. A não taxação do ouro, ao invés de manter o garimpeiro a certa distância da colonização fez por acontecer exatamente o contrário, o cenário passou a ser convidativo aos aventureiros. Com todos esses atrativos para exercer a garimpagem, cerca de 15 mil trabalhadores, originários de Itaituba (até a década de 1970 foi conhecida como a capital do ouro) no Pará, invadiram as terras dos colonos em Alta Floresta.

DEPUTADOS

A organização do garimpo proposta por Ariosto da Riva, que visava manter os garimpeiros longe de Alta Floresta teve que recorrer à força. A polícia que atuava na região colaborou com o colonizador.

O então deputado estadual Paulo Nogueira, na Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, relatou os maus tratos sofridos pelos garimpeiros em Alta Floresta. Foi designada uma comissão parlamentar para averiguar os fatos. Foram para Alta Floresta cinco deputados estaduais: Osvaldo Sobrinho, Ubiratan Spinelli, Candido Borges, Estevão Torquato e Hitler Sansão.

Todos foram recebidos por Ariosto da Riva, que se ‘auto encarregou’ de relatar os feitos que foram prontamente acatados pelos parlamentares. Após a visita a decisão destes foi aumentar o policiamento no município.

O à época secretário de Segurança Pública, coronel Paulo Santa Rita Athaíde, afirmou que a Secretaria atenderia os interesses da colonizadora – embora o espaço sem lei tivesse sido criado pela própria Indeco que tentava afastar os garimpeiros, os quais chegavam cada vez mais e em maior número ao município.

Os garimpeiros, homens simples e pobres, que possuíam somente sua força de trabalho, estavam buscando condições para escapar da miséria e, conforme o cenário que foi apresentado a eles, Alta Floresta era o local ideal para que isso acontecesse, pois era uma região de farta riqueza. Essa identidade única dos garimpeiros, sem apegos, contrastava com os colonos, apesar de chegarem a Alta Floreta com o mesmo objetivo: escapar da miséria. Era uma sociedade construída para os agricultores, onde os garimpeiros não tinham espaço de vivência, ao contrário, se tornaram uma ameaça ao crescimento da cidade.

Os conflitos perduraram até 1983.

Os garimpeiros resistiram à pressão feita para afastá-los dos espaços onde estavam sendo executadas as etapas do projeto de colonização da Indeco, pois enquanto os conflitos aconteciam, o garimpo desenvolvia o comércio local, gerando receita aos moradores e ao município.

Como o ouro fascinava e aterrorizava todos se corrompiam, até mesmo os agricultores se renderam ao garimpo. Alguns colonos que chegaram a Alta Floresta, logo perceberam que teriam que ter outra atividade durante o período de carência da primeira plantação. O capital que alguns agricultores traziam, não seria suficiente para se manterem nesse período. O garimpo foi a saída para que suas necessidades básicas fossem atendidas.

Muitos arrendaram suas terras para os garimpeiros. Toda a cidade passou a estar em função do garimpo. Até mesmo as terras destinadas à agricultura passaram a ser reviradas em busca de ouro. E com a atividade garimpeira se tornando a mais produtiva da região, movimentado o comércio local, a prostituição também aumentou.

BOIS

Com o fim do garimpo, as atividades agrícolas tendiam a ser a principal atividade econômica de Alta Floresta, mas a produtividade da terra, cultivada aos moldes sulistas e deteriorada ou contaminada pelo garimpo, foi diminuindo.

Com a baixa potencialidade do solo, as áreas que seriam destinadas à agricultura, foram gradativamente substituídas por pastos e a pecuária de corte foi se estabelecendo, tornando-se atualmente a maior atividade econômica do município.

O número de cabeças de gado de corte em Alta Floresta já beira 1 milhão, sendo mais de dois mil proprietários. Embora haja uma grande quantidade de gado de corte, há também um alto número de criadores, o que sugere uma maior distribuição das riquezas geradas pela atividade entre os pecuaristas.

DESAFIOS

No limiar das comemorações por meio século de história – já próximo do primeiro quarto deste século 21 -, o município de Alta Floresta tem pela frente desafios que tocam principalmente à qualidade de vida dos que habitam a urbe, notadamente os mais pobres.

Corrigir as distorções resultantes da perversa concentração de renda – mal de resto comum ao país – talvez seja das mais urgentes mazelas que a sociedade como um todo, poder público particularmente, precisam solucionar.

Inobstante toda a riqueza extraída das lavras auríferas, depois produzida pela agropecuária, o potencial econômico de Alta Floresta não se reflete nas condições de vida de sua população.

Após o declínio do extrativismo mineral, embora seja a pecuária o maior propulsor econômico de Alta Floresta, as externalidades negativas ocasionadas por essa atividade afetam diretamente todos os munícipes – o desmatamento nas áreas destinadas à criação de gado bovino é o impacto mais gritante.

Em 2020, o salário médio mensal era de 2,1 salários mínimos. A proporção de pessoas ocupadas em relação à população total era de 25.2%. Na comparação com os outros municípios do estado, ocupava as posições 98 de 141 e 19 de 141, respectivamente. Já na comparação com cidades do país todo, ficava na posição 1571 de 5570 e 849 de 5570, respectivamente. Considerando domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa, tinha 33.3% da população nessas condições, o que o colocava na posição 117 de 141 dentre as cidades do estado e na posição 3956 de 5570 dentre as cidades do Brasil.  O Produto Interno Bruto por habitante (PIB per capita) registrado em 2020 foi de aproximados R$ 35 mil – Alta Floresta ocupa nesse quesito a 1329ª colocação entre as cidades brasileiras, apenas a 82ª em comparação aos 141 municípios do estado.

O ensino público também precisa melhorar muito.

Em 2021 o Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico (Ideb) nos anos iniciais do ensino fundamental foi de 5,6, número que colocou Alta Floresta na posição 2487 entre 5570 municípios brasileiros e 40º entre os 141 de Mato Grosso; e de 5,0 nos últimos anos – classificada a cidade em 1937º lugar em comparação nacional e 18º entre as cidades mato-grossenses.

Não é diferente no tocante à saúde pública.

A taxa de mortalidade infantil média na cidade é de 12,3 para 1.000 nascidos vivos. As internações devido a diarreias são de 1,7 para cada 1.000 habitantes. Comparado com todos os municípios do estado, fica nas posições 65 de 141 e 43 de 141, respectivamente. Quando comparado a cidades do Brasil todo, essas posições são de 2246 de 5570 e 1738 de 5570, respectivamente.

Pior ainda é o quadro no que tange a problemas ambientais e infraestrutura urbana.

Alta Floresta tem menos de 20% de domicílios com esgotamento sanitário adequado, 37,7% de domicílios urbanos em vias públicas com arborização e irrisórios 3% de domicílios em vias públicas com urbanização adequada (presença de bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio). Quando comparado com os outros municípios do estado, fica na posição 48 de 141, 101 de 141 e 63 de 141, respectivamente. Já quando comparado a outras cidades do Brasil, sua posição é 3849 de 5570, 4614 de 5570 e 3854 de 5570, respectivamente.

O índice de Gini em Alta Floresta é de 0,34, com incidência de pobreza de 18,29% – considerada a estimativa populacional de aproximados 52 mil habitantes, conforme números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Criado pelo matemático italiano Conrado Gini, o índice que leva seu sobrenome é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza. Na prática, o Índice de Gini em geral compara os 20% mais pobres com os 20% mais ricos. No Relatório de Desenvolvimento Humano 2004, elaborado pelo PNUD, o Brasil aparece com Índice de 0,591, quase no final da lista de 127 países. Apenas sete nações apresentam maior concentração de renda.



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