O governo da Bahia oficializou, nesta terça-feira (23), a geração de uma companhia da Polícia Militar (PM) encarregada de mediar conflitos agrários e urbanos. Segundo o texto da Lei nº 14.653, publicada no Diário Oficial estadual, a novidade companhia integrará a estrutura do Comando de Operações Policiais Militares, devendo planejar, coordenar e executar as ações de segurança pública necessárias ao cumprimento de mandados judiciais de manutenção ou reintegração de posse.
A lei sancionada pelo governador Jerônimo Rodrigues estabelece outras mudanças na estrutura organizacional da corporação, em vigor desde 2014, mas a geração da Companhia Independente de Mediação de Conflitos Agrários e Urbanos labareda a atenção por ter sido anunciada um dia depois tapume de 200 pessoas atacarem um grupo de indígenas pataxó-hã-hã-hãe que desde o último sábado (20) ocupa uma quinta da cidade de Potiraguá, no sudoeste baiano.
Durante o confronto, na madrugada de domingo (21), uma mulher, Maria de Fátima Muniz, a Nega Pataxó, foi baleada e não resistiu aos ferimentos. Ela era mana do cacique Nailton Muniz Pataxó, que também foi atingido por um disparo de arma de lume e teve que ser submetido a uma cirurgia. Outros indígenas foram feridos, incluindo uma mulher, espancada, dos quais braço foi quebrado. Um não indígena foi atingido por uma flechada em um dos braços. Dois fazendeiros da região foram detidos, acusados de homicídio e tentativa de homicídios, e a secretaria estadual de Segurança Pública determinou o repentino reforço do patrulhamento na região a termo de evitar novos confrontos.
“É importante que o estado tenha uma companhia que trate dos temas de crises, de conflitos rurais e urbanos, de forma exclusiva e estratégica. A geração dessa e de outras unidades faz segmento do compromisso do Governo do Estado em fortalecer o trabalho das nossas forças de segurança”, declarou o governador Jerônimo Rodrigues ao anunciar, ontem (22), a geração da companhia.
De negócio com Rodrigues, a companhia atuará em questões envolvendo indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais, além de movimentos sociais e grandes coletivos de pessoas. Instalada em Salvador, a unidade será comandada pelo major Michael José Pinho da Silva. Os militares designados para criar a estrutura receberão formação especializada em mediação de conflitos; gestão de crises; estrutura agrária do Brasil; combate ao racismo e promoção dos direitos de povos e comunidades tradicionais, podendo intervir de maneira preventiva e intersetorial com metodologias inovadoras de diálogo social e promoção de uma cultura de sossego.
Soluções
O governo baiano também anunciou a geração de um grupo de trabalho para discutir a questão dos conflitos por terras no estado e propor “estratégias de construção de soluções pacíficas para a regulamentação fundiária dos povos tradicionais”. A medida foi anunciada durante uma reunião entre representantes do Tribunal de Justiça, do Ministério Público (MP) e da Defensoria Pública estaduais; da Superintendência da Polícia Federalista (PF) e do Poder Executivo, incluindo o próprio governador.
Durante o encontro, que ocorreu no Meio de Operações de Perceptibilidade, em Salvador, no termo da tarde de ontem, a procuradora-geral de Justiça, Norma Cavalcanti, informou que o MP estadual já tinha determinado aos promotores do Grupo de Atuação Privativo de Combate às Organizações Criminosas e Investigações Criminais (Gaeco) que atuasse no caso, em conjunto com a Promotoria Criminal de Itapetinga.
Representantes do governo federalista também viajaram, ontem, até a região do conflito. Liderada pela ministra Sonia Guajajara, a comitiva esteve na Terreno Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu e visitou, no hospital, os indígenas feridos, incluindo o cacique Nailton Muniz. “Um dia muito difícil. Seguiremos firmes na procura por justiça e sossego para os povos indígenas”, declarou a ministra em sua conta pessoal no X (macróbio Twitter).
Hoje, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, também usou as redes sociais para lamentar o novo incidente de violência contra indígenas. “Eu queria dar um recado aos povos indígenas do sul da Bahia sobre o homicídio de uma liderança pataxó hã-hã-hãe. Estou conversando com o governador [Jerônimo Rodrigues] e com a ministra [Sonia Guajajara], que foi à região para tratar da situação. Irei discutir esse ponto com a ministra e com o governador e quero colocar o governo federalista à disposição do [governador] Jerônimo e dos povos indígenas para encontrar uma solução de forma pacífica”, manifestou o presidente, solidarizando-se com os parentes de Nega Pataxó.
Em nota conjunta, a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública do Estado da Bahia e o Ministério Público Federalista (MPF) manifestaram preocupação com o que classificaram uma vez que “flagrante pouquidade de medidas estruturais e efetivas por segmento do governo federalista e do governo da Bahia diante dos contínuos e reiterados ataques sofridos pelos povos indígenas no estado.”
As instituições criticam o veste dos indígenas pataxó hã-hã-hãe terem sido atacados “diante da presença de um grupamento de policiais militares que não conseguiu impedir” a ação do grupo de tapume de 200 pessoas, membros de um grupo autointitulado “Invasão Zero”, e que, segundo o governo da Bahia e o Ministério dos Povos Indígenas, se mobilizaram depois uma convocação para que fazendeiros e comerciantes retomassem, por meio da força, e sem decisão judicial, a posse da quinta ocupada por indígenas no último sábado (20).
“É intolerável que, mesmo cientes dos recorrentes episódios de violência contra os povos indígenas e comunidades tradicionais, os governos estadual e federalista não tenham implementado medidas efetivas para prometer a segurança desses grupos”, acrescentaram as instituições ao evidenciar que, em 21 de dezembro de 2023, outra liderança indígena, o cacique Lucas Kariri-Sapuyá, foi morto na região, em uma emboscada. Aliás, entre janeiro e setembro de 2022, três jovens pataxós (Gustavo Conceição (14 anos), Nawir Brito de Jesus (17 anos) e Samuel Cristiano do Paixão Divino (25 anos)) foram assassinados, motivando o Ministério dos Povos Indígenas a, em janeiro do ano pretérito, gerar um gabinete de crise para escoltar a apuração dos casos.
Organizações sociais repudiaram o ocorrido. Em nota, a Percentagem Arns e a Conecta Direitos Humanos cobraram do governo estadual uma “rápida e completa” apuração das responsabilidades, inclusive da conduta da PM, “dos quais efetivo, presente no lugar, foi incapaz de moderar conflito e evitar seus desdobramentos. Não haverá sossego no campo sem justiça. Aguardamos uma investigação rigorosa, cobrando os esclarecimentos devidos à sociedade”. Já a Fala dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) acionou o MPF, exigindo que os responsáveis pelo ataque à comunidade pataxó hã-hã-hãe sejam identificados e punidos. “Exigimos seguimento das autoridades, a apuração do caso e justiça aos criminosos. Reiteramos que a demarcação das terras indígenas é o único caminho para amenizar a escalada de violência que atinge os povos da região sul da Bahia.
Material alterada às 15h16min. para acréscimo de informações.