Por Gustavo Basso, em colaboração para o iG
O Brasil tem nas mãos nesta próxima década todas as ferramentas essenciais para fazer sua reindustrialização baseada na produção sustentável de combustíveis, siderurgia e energia, esbarrando apenas em questões políticas que podem atravancar este processo. É o que avalia um grupo de executivos alemães presentes no país para um evento promovido pelo
Fórum Brazil-German Space na cidade de São Paulo
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“É o novo Pré-Sal, essa fonte enorme que temos de energia renovável que será disputada pelos países desenvolvidos”, classifica Luciana Filizzola, diretora de sustentabilidade e comunicações da siderúrgica alemã GMH Gruppe. Enquanto a produção de modo tradicional emite quase 2 toneladas de gás carbônico por tonelada de aço produzido, os fornos elétricos, como os usados pela empresa, emitem cerca de cinco vezes menos.
“Na Alemanha, onde a maior parte da energia utiliza gás natural, são 0,4 toneladas por tonelada de aço, mas no Brasil, com 90% da produção com fontes renováveis, como hidrelétrica e eólica, este número pode chegar a 0,1 tonelada”, explica Alexander Becker, diretor da empresa sediada no norte do país europeu.
Filizolla e Becker vieram ao Brasil a convite da organização sem fins lucrativos, e que nesta semana realiza a primeira edição do fórum entre os países, com o tema “O ecossistema da transição energética verde”.
Para o empresário Frederico Wollny, o tema é central, já que investidores e compradores de insumos buscam essa eficiência ambiental. “Atualmente, todo mundo quer e é exigido ter uma produção verde”, diz.
Para o alemão Claus Suter, fundador da bioquímica Verbio, quem está impondo a pauta ambiental a empresas é justamente o mercado financeiro, que nos últimos cinco anos teria mudado a forma de cobrar das indústrias.
“As mudanças climáticas estão vindo; já passamos o ponto de não retorno”, avalia ele. “Veremos mais catástrofes como no Havaí ou na Líbia, virão tempos bem difíceis. Em geral, políticos l levam mais tempo para implementar mudanças; atualmente, elas vêm do mercado de capitais”, avalia.
“Até pouco tempo as reservas de petróleo serviam para avaliação de empresas como Shell, Chevron, etc. Hoje, estas reservas já não valem nada. O cidadão comum, ao colocar seu dinheiro da aposentadoria, quer saber se este investimento ainda vai existir daqui 30, 40 anos, e petróleo e carvão já não dão essa garantia”.
Vantagens e barreiras
Suter demonstra ter muito desejo de investir no Brasil, mas teme que questões políticas e burocráticas atrapalhem este processo. O receio é compartilhado também pela brasileira Luciana, que há anos mora em diferentes países da América do Norte e Europa, e relembra outra promessa vivida por brasileiros de que o país se tornaria uma potência.
“Temos nas mãos uma mega vantagem com este ‘novo Pré-Sal’”, garante ela, se referindo às reservas de até 8 bilhões de barris detectadas sob o Oceano Atlântico. Em 2010, curiosamente em outro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Petrobras dava início à produção comercial do pré-sal, no poço de Baleia Franca, extraindo então 13 mil barris diários de petróleo.
“No entanto, o Brasil peca com a falta de tecnologia e planejamento a médio e longo prazo, mas sobretudo precisa decidir qual papel quer desempenhar no contexto internacional”, pondera Luciana. “Quer explorar petróleo na foz do Rio Amazonas ou proteger a floresta e populações indígenas e se tornar líder neste setor energético com uma base para se reindustrializar a partir disso?”.
O Brasil é o segundo maior exportador de minério de ferro do mundo, responsável por quase um quinto das exportações globais. No entanto, figura na 13ª colocação entre os exportadores de aço, sendo importador do produto beneficiado do ferro, principalmente da China, Estados Unidos e Alemanha. Juntos, estes países representam mais de 50% da origem de aço que chega ao Brasil.
Para o CEO da GMH, pelos próximos 20 anos, ao menos a China não terá capacidade de produzir energia elétrica limpa como o Brasil, criando assim espaço para que a indústria de base menos poluente seja incorporada ao país. “Não faz sentido vender minério de ferro, este cruzar o mundo em um navio, e comprar aço do exterior”, avalia ele, que se considera “meio brasileiro”.
Casado com uma brasileira que conheceu morando no país, Becker fez carreira em indústrias poluentes, até que ouviu, ao lado de sua filha recém-nascida, sua mulher dizer: “Quando você vai fazer algo pelo futuro dela?”. O questionamento doloroso o levou à siderúrgica que ainda em 1995 desmontou seu alto-forno, trocando pelo elétrico que utiliza até hoje.
Resíduo em matéria-prima
Em maio deste ano a ONU divulgou um relatório apontando que a poluição plástica pode ser reduzida em 80% até 2040 se os países e as empresas utilizarem as tecnologias existentes para implementarem mudanças profundas nas políticas e no mercado. O documento, publicado pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), foi divulgado antes da segunda rodada de negociações em Paris sobre um acordo global para combater a poluição plástica, e descreve a magnitude e a natureza das mudanças necessárias para acabar com a poluição plástica e criar uma economia circular.
A capital holandesa, Amsterdã, é uma das mais avançadas neste conceito de economia circular, e conta com a consultoria da multinacional Gobar na meta de alcançar esta circularidade até 2050. Comandada na Alemanha por Fabiana Oscari-Bergs, a empresa lida com dados abertos e os organiza de modo que os responsáveis pela gestão de resíduos de Amsterdã saibam onde focar esforços e aumentar a eficiência.
Uma experiência que Luciana avalia ser crucial para organismos estatais e privados alcançarem maior eficiência na geração de energia por meio da manutenção e gerenciamento de estruturas eólicas, redes de transmissão, entre outros. “Diminuir custos de conservação de ativos é um meio essencial para diminuir o consumo de todo tipo de material, de metais a plásticos, e ter transparência, organização e divulgação de dados é o melhor meio para alcançarmos isso”, avalia.
A ambição de duas das multinacionais presentes no evento é converter resíduos normalmente descartados em matéria-prima. Para quem cresceu nos anos 1980 ou 1990, as usinas de biomassa da alemã Verbio lembram o filme De Volta para o Futuro. “Podemos converter bagaço de cana, palha de milho ou até mesmo fezes de galinhas em biodiesel, etanol ou biometano”, conta Suter, entusiasmado. A partir da partícula básica, o próximo passo para Suter é desenvolver plástico literalmente a partir de lixo.
Já Becker e Luciana tentam usar o plástico automotivo hoje descartado junto com as sucatas que eles utilizam como matéria-prima nos fornos da siderúrgica para produção de H2, essencial na finalização do aço. Enquanto EUA, Canadá, Reino Unido, Austrália e Noruega são responsáveis por mais da metade dos projetos de expansão da produção de petróleo e gás natural até 2050, Brasil e Alemanha mostram soluções para evitar o agravamento da tragédia ambiental que já se projeta com vivacidade no horizonte.