Surtos de doenças infecciosas em países africanos são bastante muito comuns. Enquanto o Ebola atinge a República Democrática do Congo e Uganda com surtos esporádicos, o vírus Marburg causa preocupação na Guiné Equatorial em 2023, já os casos de cólera, malária e tuberculose são diagnosticados entre diferentes nações africanas.
Doenças não respeitam fronteiras estabelecidas pelos humanos, alerta a Organização Mundial da Saúde (OMS). Nesse contexto, se faz essencial que os cientistas na África sejam capazes de gerar e compartilhar dados críticos sobre agentes causadores de doenças a tempo de embasar decisões de saúde pública.
Segundo a OMS, as tecnologias de sequenciamento genômico são ferramentas poderosas nesse tipo de trabalho. Com o objetivo de fortalecer e ampliar a vigilância genômica no mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou uma nova estratégia em 2022.
O método permite que os cientistas decodifiquem o material genético de microrganismos nocivos e criem “impressões digitais” biológicas para investigar e rastrear os causadores dessas doenças. Essas informações auxiliam no desenvolvimento de métodos de diagnósticos, tratamentos e possíveis vacinas. Também ajuda as autoridades de saúde pública a orientar e preparar seus sistemas de saúde para detecção e resposta eficazes a surtos.
Lidar com doenças infecciosas em países e continentes requer muitas intervenções complexas, sobrepostas e amplas. Um deles é um repositório comum onde países, autoridades de saúde pública e seus cientistas podem compartilhar informações sobre doenças e microrganismos associados. Eles podem então colaborar em torno dos dados compartilhados. Esses tipos de plataformas existem em muitos países de alta renda. Mas a região africana fica para trás.
No entanto, este cenário pode mudar. Em uma nova publicação na Nature Medicine, pesquisadores descrevem o trabalho que está sendo feito para criar esse repositório para o continente africano.
A África concentra a maior parte dos 10 milhões de mortes estimadas causadas globalmente todos os anos por doenças infecciosas.
Essas doenças também travam as ambições de desenvolvimento do continente: de acordo com um relatório da OMS, elas representam uma perda anual de produtividade estimada em US$ 800 bilhões.
Esses números destacam a urgência de melhorar a resposta científica às doenças infecciosas.
Existem alguns brotos verdes. A pandemia de Covid-19 mostrou do que as instituições africanas são capazes. Os Centros de Controle de Doenças da África (CDC África), por meio da Iniciativa de Genômica de Patógenos da África, supervisionaram o treinamento de centenas de funcionários de laboratório.
Máquinas de sequenciamento de DNA e insumos laboratoriais essenciais – como reagentes, os coquetéis químicos que tornam os testes possíveis – foram implantados. Hoje, os laboratórios de saúde pública em muitos países africanos, com níveis variados de capacidade, podem gerar suas próprias sequências genômicas de patógenos.
Portanto, os dados não são o problema. As perguntas são: o que vai acontecer com eles? Como e onde será assegurado e por quem? Será, como tem sido o costume até agora, “exportado” e a propriedade intelectual deslocada para o exterior?
As plataformas globais de compartilhamento de dados têm desempenhado um papel significativo na utilização científica de dados. No entanto, questões de transparência e governança estão sendo levantadas pela comunidade global.
Desde 2020, o CDC da África, em colaboração com a Sociedade Africana de Medicina Laboratorial, o Instituto Nacional de Bioinformática da África do Sul e várias instituições de saúde pública em toda a África, trabalha para desenvolver uma plataforma continental para gerenciamento e compartilhamento de dados genômicos de microrganismos. A inovação e desenvolvimento tecnológico envolve a indústria e outros parceiros.
O desenvolvimento de tal plataforma não é apenas um exercício técnico. Um ecossistema deve ser criado para sua adoção. Portanto, está sendo construído em paralelo com uma consulta liderada pelo CDC da África com seus estados membros, para refinar os acordos de compartilhamento de dados entre os países e apoiar as estruturas nacionais de governança de dados.
Pilares
A plataforma repousa sobre seis pilares.
O primeiro pilar é a adoção e o gerenciamento de mudanças. As organizações regionais – aquelas que impulsionaram o investimento em treinamento e infraestrutura durante a pandemia – devem conduzir o desenvolvimento das políticas, processos e mudanças de sistema necessárias em todo o continente.
Em segundo lugar, a plataforma deve oferecer uma boa experiência de usuário que permita a coleta de dados sem interrupções e com boa relação custo-benefício e o compartilhamento e uso oportunos de dados em toda a África.
Em terceiro lugar, precisamos de serviços e produtos de dados para facilitar o compartilhamento de dados e informações com tomadores de decisão que não sejam cientistas ou geneticistas.
Em quarto lugar, são necessários processos, práticas, ferramentas e controles de gerenciamento de dados padronizados e consistentes sobre como os dados são processados, armazenados, compartilhados e implantados em todos os países e contextos.
A infraestrutura central é o quinto pilar: o lado técnico da plataforma deve ser composto por componentes de aplicativos e infraestrutura que podem ser rapidamente reconfigurados para contextos e doenças.
E, finalmente, uma boa gestão do programa e recursos sustentáveis serão fundamentais.
Como argumentado no artigo, o gerenciamento e a análise de dados para apoiar a tomada de decisões baseadas em dados em saúde pública é um imperativo global. Requer envolvimento contínuo com as partes interessadas internacionais em vigilância de doenças e desenvolvedores de plataformas tecnológicas.
Os custos humanos e de recursos de doenças não controladas na África foram apontados. Se houver uma resposta coletiva à carga de doenças da África – e é uma tarefa enorme – uma plataforma compartilhada de dados genômicos de patógenos seria um passo crucial para sustentar esses esforços.
Uma plataforma de compartilhamento de dados de propriedade africana e liderada por africanos será fundamental para o compartilhamento oportuno de informações produzidas localmente para informar uma resposta rápida a surtos. Também será um passo crítico em direção a um mecanismo equitativo para maximizar o valor e a utilidade dos dados genéticos de patógenos para a segurança da saúde nacional, regional e global.