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Com estilo em extinção, Jota Júnior não quer se aposentar – 22/03/2023 – Esporte

José Franciscangelis Júnior conversa do mesmo jeito que narra futebol. O tom é tranquilo, sem exageros e autêntico. É a certeza de quem tem espaço em algum outro lugar na imprensa esportiva. Mas também é a calma de quem já esperava a demissão.

Jota Júnior, 74, sabe que tem seu público, mas este não está mais no Grupo Globo, que o demitiu semana passada depois de 24 anos de emissora. Gente que o acompanha e gosta da sua maneira de narrar, um estilo em extinção na TV brasileira.

Ele é locutor que não berra com desespero, como se quisesse chamar a atenção para si próprio e deixar o jogo em segundo plano. Sem bordões, porque vê a transmissão de futebol como um evento jornalístico, não de entretenimento. Com a emoção apenas onde realmente há emoção.

Jota narra também sem estar preocupado com as mensagens do Twitter, rede social da qual não faz parte, aliás.

“A gente percebe que esta mudança tem acontecido. Só que tem uma coisa: eu não mudaria só para me encaixar nesse novo estilo de narração. Nunca me pediram para mudar também”, diz, em entrevista para a Folha por telefone. Ele estava em sua casa em Americana (115 km de São Paulo), onde descansa por alguns dias.

Será um repouso curto porque Jota deixa claro desde já: não vai parar. Quer continuar na mesma profissão que iniciou no início da década de 1970. Trabalhou em rádios de Americana e Campinas até chegar à Gazeta, na capital, em 1976. Foi quando entrou na televisão, com trabalhos esporádicos.

Fixou-se na plataforma a partir de 1983, na Bandeirantes. Saiu em 1999 para entrar no SporTV, do Grupo Globo.

“Tenho recebido muito carinho, sondagens e possibilidades aqui ou ali. Estou na expectativa. Estou de ressaca da demissão ainda, mas na expectativa de que algo pode surgir, seja em web rádio, web TV, YouTube, TV tradicional. Tem um monte de coisas”, especula.

Jota Júnior já havia percebido narrar contra a maré. Seu estilo e sua maneira de ver como uma transmissão de futebol deve ser feita não é a mesma do padrão atual.

“As emissoras estão muito preocupadas com a faixa jovem. Mas se há um público jovem, há outro que está na faixa dos 50 ou 60 anos que tem preferência por narrações que vêm de outra escola, mais antiga. É como eu aprendi a fazer o meu trabalho. É um tipo de narração, de comunicação diferente do meu, do que eu entendo ser uma narração de televisão. Meu estilo sempre foi esse e acho que tenho público, senão não estaria esse tempo todo no ar”, opina.

Não que a demissão tenha sido surpresa. Ele percebeu para o lado que o vento soprava ao ver que não era mais escalado para os principais jogos do país. Era como se tivesse sido rebaixado. Mas ele não denota nenhuma mágoa com isso. Vê como um direito da direção da Globo. Acredita que havia também uma questão idade.

“Fui percebendo que a qualquer momento poderia ser descartado. Estava sendo muito pouco aproveitado. De uns tempos para cá, tinha sido rebaixado nas escalas de clubes grandes, de clássicos. Era escalado para partidas de menor porte, não que não fossem importantes. Eram muito. Mas eu vinha de outro ritmo de aproveitamento”, ressalta.

O pensamento foi imediato: eles não vão me segurar mais muito tempo.

“Estava esperando isso e me preparando.”

Em postagem em um blog antigo, em que escrevia pouco, Jota comentou sobre os pedidos para falar sobre futebol, comentar rivalidades de clubes e as grandes partidas. Ele respondeu ter outras preocupações, como a questão da educação no país e a crise hídrica que São Paulo vivia na época. Seu pensamento estava em coisas maiores.

Seria mais lógico, para quem quer aparecer, surfar na onda de uma polêmica qualquer do futebol. Não é esse seu estilo. Ele é reticente até mesmo quanto a necessidade urgente das emissoras em ler mensagens dos telespectadores, como se eles fizessem parte da transmissão.

“O que a gente ouve muito é que nós precisamos dar voz a quem acompanha nosso trabalho. A interatividade na vida sempre existiu e é muito legal. Gosto e sempre gostei. O problema que eu vejo, às vezes, é que há uma preocupação muito grande em priorizar a interatividade. Principalmente no rádio. A narração fica em segundo plano. Isso me incomoda um pouco. É todo mundo buscando o clique, a curtida para dar visualização. O espetáculo em si fica em segundo plano.”

Por causa disso, ele não durou muito no Twitter. Ficou algum tempo, mas decidiu encerrar sua conta quando percebeu o nível dos comentários.

“Eu tenho Instagram, tenho Facebook. Twitter não tenho, não. Tive uma experiência, mas não gostei. É uma liberalidade muito grande e foi uma experiência agressiva e muito desrespeitosa. Claro que não era só isso. Havia pessoas que também faziam observações com respeito. Mas comecei a peneirar e vi que existia muito ódio e rancor”, constata.

Sem se render à moda e fiel a quem é, Jota Júnior, quando voltar a narrar, será o mesmo de sempre. Sóbrio, sem exageros e dando protagonismo ao jogo de futebol, não a si mesmo.

Fonte: Folha de S.Paulo

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