sábado, 23 novembro 2024
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Como a digestão do amido transformou a evolução humana

Da Redação Avance News

Assim que uma pessoa coloca na boca alimentos como pães, salgados ou purê de batata, já começa o processo de digestão do amido – graças à ação de uma enzima presente na saliva chamada amilase. Essa enzima desempenhou um papel crucial na evolução humana, à medida que nossos ancestrais aprenderam a cozinhar e, depois, com o surgimento da agricultura.

Dois estudos recentes revelam que nossos antepassados adquiriram mais genes de amilase em duas fases distintas. A primeira, há centenas de milhares de anos, pode ter sido associada ao uso do fogo. A segunda ocorreu há cerca de 12 mil anos, com a transição para a agricultura.

Na fase da descoberta do fogo, há centenas de milhares de anos, nossos ancestrais adquiriram mais genes de amilase. Crédito: Gorodenkoff – Shutterstock

Uma dessas pesquisas foi liderada pelo geneticista Omer Gokcumen, da Universidade de Buffalo, em Nova York, EUA, e foi descrita em um artigo publicado na quinta-feira (17), na revista Science

Segundo Gokcumen, essa adaptação alimentar foi fundamental para a evolução da nossa espécie. Ele explica que o número de genes de amilase varia conforme a dieta das populações, e essa variação pode estar ligada a doenças modernas, como o diabetes, relacionado ao consumo excessivo de amido.

Para o pesquisador, essas descobertas podem abrir caminho para tratamentos médicos que utilizem a amilase no combate a essas doenças. Ele sugere que, no futuro, será possível desenvolver medicamentos baseados nessa enzima.

A pesquisa sobre a produção de amilase começou na década de 1960, quando cientistas descobriram que algumas pessoas produziam mais dessa enzima na saliva. No entanto, apenas recentemente, com os avanços no sequenciamento de DNA, foi possível identificar com precisão quantas cópias dos genes de amilase estão presentes no genoma humano.

A capacidade humana de ingerir e digerir alimentos ricos em amido se deve à ação de uma enzima presente na saliva chamada amilase. Crédito: Lisa A – Shutterstock

Outro estudo, liderado por Peter Sudmant, geneticista da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e publicado na revista Nature, revela que o número de cópias dos genes de amilase varia significativamente entre os indivíduos. Algumas pessoas possuem até 11 cópias desse gene.

Essa variação genética diferencia os humanos de outras espécies. Chimpanzés e outros macacos também produzem amilase na saliva, mas têm apenas um gene para essa enzima. 

Leia mais:

Enzima que decompõe amido já estava presente em humanos há 45 mil anos

A equipe de Gokcumen encontrou evidências fósseis que indicam que humanos há 45 mil anos já tinham cerca de cinco cópias dos genes de amilase.

Os neandertais também apresentavam várias cópias, sugerindo que essa característica já existia no ancestral comum entre humanos modernos e neandertais, que viveu há mais de 600 mil anos. O estudo de Gokcumen diz que o uso do fogo para cozinhar alimentos ricos em amido pode ter sido um fator determinante nessa evolução, pois o calor torna esses alimentos mais fáceis de digerir.

À medida que as dietas humanas começaram a depender mais do amido, a seleção natural pode ter favorecido aqueles que produziam mais amilase. Isso teria permitido que esses indivíduos processassem e absorvessem os nutrientes com mais eficiência.

O estudo de Sudmant também sugere que a duplicação dos genes de amilase começou há centenas de milhares de anos. Embora ele ressalte que a relação entre essa evolução e o uso do fogo ainda não esteja totalmente comprovada, a hipótese é suspeita.

A revolução agrícola foi outro marco importante. Há cerca de 12 mil anos, várias sociedades começaram a cultivar plantas ricas em amido, como trigo, cevada e batata. Evidências genéticas de esqueletos dessa época mostram que pessoas com mais genes de amilase tinham maiores chances de sobrevivência e reprodução.

Essa tendência foi observada em várias partes do mundo, como Europa, Ásia Ocidental e no Peru, onde a batata foi domesticada há mais de cinco milênios. Os genes extras de amilase se tornaram mais comuns nessas regiões.

Chimpanzés e outros macacos também produzem amilase na saliva. Fabian Plock – Shutterstock

Embora esses estudos forneçam novas informações sobre a importância da amilase na evolução humana, ainda há muitas incertezas. Hoje, a quantidade dessa enzima no corpo parece não ter grande impacto na saúde, o que levanta questões sobre quais vantagens os genes extras proporcionaram aos nossos ancestrais.

Uma hipótese sugere que, além de auxiliar na digestão, a amilase poderia funcionar como um sinal para o corpo, estimulando a produção de insulina e aumentando a absorção de açúcar, especialmente em tempos de escassez alimentar.

De acordo com o jornal The New York Times, outros pesquisadores alertam que a seleção natural intensa no gene da amilase pode não ser a única explicação para sua disseminação. Para eles, migrações populacionais também podem ter influenciado a prevalência desses genes em diferentes regiões do mundo.



Fonte: Olhar Digital

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