Da Redação Avance News
O afroempreendedorismo de Cuiabá se afirma como uma poderosa expressão de resistência e inspiração, com histórias de pessoas que transformam a cultura em negócios de sucesso. No Dia da Consciência Negra, comemorado nesta quarta-feira (20), o g1 reuniu histórias de empreendedores que, por meio da inovação, impulsionaram o comércio da capital.
Desde a preservação da tradição do famoso bolo de arroz de Dona Eulália até as inovações de Rosana Ribeiro e Ivair Almeida no setor de estética afro, essas trajetórias demonstram como a ancestralidade e a criatividade podem se unir para fortalecer identidades e abrir portas para novas oportunidades.
A analista técnica do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Sara de Paula, ressaltou que o empreendedorismo é a porta de entrada para as oportunidades em situações de necessidade.
“O Brasil é repleto de grandes exemplos dessa versatilidade que o empreendedorismo proporciona. Nossa vocação é justamente apoiar as iniciativas empreendedoras para que cada vez mais possamos fomentar o nosso país, resgatar as nossas culturas locais, a regionalidade e autenticidade de cada empreendedor”, pontuou.
Em Mato Grosso, onde 61% dos pequenos negócios são comandados por afrodescendentes, essas iniciativas são símbolos de resistência e transformação.
Na cozinha que perpetua tradições, Dona Eulália foi uma mulher negra que se tornou uma personalidade importante para cultura cuiabana e também para o empreendedorismo local. A cuiabana, que faleceu aos 90 anos em outubro deste ano, mantinha, há quase 70 anos, a tradição do bolo de arroz cuiabano, prato típico de Mato Grosso e um dos principais símbolos da cultura regional.
“Há 60 anos me mudei para Cuiabá e não imaginava que daria tão certo. Cuiabá para mim é tudo e é uma alegria poder comemorar mais um aniversário da nossa cidade”, disse Dona Eulália em 2018, em entrevista ao g1.
Nascida na zona rural de Cuiabá em 13 de janeiro de 1934, dona Eulália se mudou com o então marido, Eurico Avelino Soares, para a capital, onde começou a comercializar os bolinhos de arroz para ajudar na renda de casa. Um exemplo de resistência e investimento em meio à necessidade.
A trajetória de Eulália não foi fácil. A cuiabana vendia os quitutes de porta em porta, mas com o sucesso das vendas, abriu no quintal de casa o espaço onde até hoje são vendidos os bolinhos.
A neta de Eulália, Danielle Soares, contou ao g1 que a avó não conseguia entender como algo que ela considerava simples se tornou sua principal fonte de renda e conquistou o coração de tantas pessoas.
“Ela sempre ficava surpresa com a procura, porque acreditava que o que ela tinha era muito simples. Ela nunca entendia o porquê estavam homenageando ela ou estava ganhando um prêmio. Acredito que isso marcou a vida dela todinha”, relatou.
Seguindo a linha de valorização cultural, o empreendedor Ivair Almeida reforça a identidade negra por meio da estética afro. Além de celebrar a ancestralidade, o trabalho dele capacita mulheres e fomenta a autonomia em comunidades periféricas, ampliando o alcance do afroempreendedorismo em Cuiabá.
Ivair disse que a pouca valorização da beleza afrodescendente o motivou a entrar no ramo da beleza, especialmente focado na estética afro. Atualmente, ele é dono de um salão voltado à beleza afro e vice-presidente da Associação de Responsabilidade Social (Ares).
“A minha vivência como pessoa negra me mostrou como a estética afro ainda é pouco valorizada e muitas vezes marginalizada. Trabalhar com cabelos crespos e cacheados é uma forma de resgatar a nossa identidade e fortalecer o pertencimento”, explicou.
Ele explicou que o nome do salão, ‘Mizizi’, significa “Raízes” na língua Swahili, que é falada em mais de 14 países da África e Oriente Médio. O espaço leva esse nome pois cultiva a beleza das mulheres negras.
“Quero que as próximas gerações levem essa valorização consigo e continuem lutando por mais espaços e reconhecimento”, pontuou.
A esteticista Rosana Ribeiro é outro exemplo de pessoa negra que superou os desafios e se tornou uma grande empreendedora em Cuiabá. A vida dela passou por uma grande reviravolta durante a pandemia da Covid-19. Na época, ela foi obrigada a fechar o spa de massagens que mantinha em um salão na capital e, em resposta à situação, começou a atender em domicílio. A história de Rosana reflete a realidade de muitos empreendedores negros, já que, de acordo com um levantamento do Sebrae, 48% deles passaram a empreender pela oportunidade de mercado.
Ao longo dos anos, Rosana acompanhou de perto as transformações no cenário da beleza e a crescente valorização da estética negra. Ela percebeu como o movimento por mais representatividade ganhou força, quebrando barreiras e conquistando espaços antes dominados por padrões de beleza homogêneos. Hoje, ela se orgulha de fazer parte dessa transformação.
“A valorização da beleza negra melhorou muito e temos mais representação até no marketing, por exemplo. Hoje, me vejo como mentora dessas mulheres e que poderá virar inspiração para as negras, mas todos os tipos de mulheres também”, contou.
Segundo o Sebrae, o setor de beleza corresponde a 7% do total de empreendedores do estado e se destaca como um dos ramos emergentes.
Uma pesquisa sobre o afroempreendedorismo em Mato Grosso, realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas nos 142 municípios do estado, revelou dados significativos sobre a presença de afrodescendentes à frente de pequenos negócios no estado. Esses dados ilustram a força crescente do afroempreendedorismo, refletindo um panorama de resistência, superação e conquista no cenário empresarial local (veja o gráfico abaixo).Presença de afrodescendentes à frente dos negócios em Mato Grosso
No estado, 61% dos pequenos negócios são comandados por negros e pardos, sendo que 81% deste público possui ensino médio ou superior completos.
Homens: 61 %Mulheres: 39 %
Fonte: Sebrae-MT
Entre os entrevistados da pesquisa, 91% deles possuem Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), o que mostra um alto nível de formalização das empresas. Ainda segundo o levantamento, metade dos negócios mato-grossenses têm mais de seis anos de atuação no mercado, o que qualifica como empresa consolidada.