Da Redação Avance News
Desde o ensino fundamental, estudamos e aprendemos sobre química. Pelo menos, costumava ser assim. Agora, a onda é a chamada mecanoquímica, na qual reações impossíveis de serem obtidas a partir de tentativas convencionais se tornam realidade.
Vamos explicar melhor. Imagine misturando vários líquidos em um laboratório químico, apenas aguardando alguma reação emocionante. Por exemplo, uma mudança de cores, o surgimento de um pó ou uma “explosão“.
Comumente, as reações químicas precisam de um solvente para acontecerem. Para tanto, é necessário encontrar o ideal. Mas há formas de fazer duas substâncias interagirem sem dissolvê-las. É aí que entra a mecanoquímica, que permite essa interação a partir da introdução de forças mecânicas.
Mecanoquímica é o futuro da química?
- Os autores de uma revisão, realizada em 2022, acerca do tema, disseram que, “embora introduzida por WH Ostwald no final do século XIX, a mecanoquímica tem sido frequentemente considerada química exótica. Isso está começando a mudar”;
- Como explica o IFScience, normalmente, a energia necessária para alimentar uma reação química vem da somatória de luz, calor e/ou eletricidade;
- “Quase todos os tipos de energia podem ser aplicados para o início de reações químicas ou para aquecimento de misturas de reação”, indica um artigo escrito em 2011;
- Mas a mecanoquímica não depende disso; ela depende de forças mecânicas, como moer, fisicamente, duas substâncias sólidas com um almofariz e um pilão;
- Essa abordagem traz, como vantagem, sua aplicabilidade para sólidos que não são efetivamente solúveis, ou em casos nos quais o uso de um solvente poderia interferir na reação (ou ser perigoso para quem estivesse manuseando-o).
Ferramentas clássicas vs. ferramentas novas
O pilão e o almofariz são ferramentas antigas, mas clássicas, no que tange a mistura de componentes químicos. Mas, nos dias de hoje, o mecanoquímico dispõe de dispositivos mais modernos.
Um deles é o moinho de bola, opção comum. Trata-se de grande moedor cheio de bolas duras que trituram materiais determinados em minúsculas partículas. São concebidos em diversos tipos, com vários materiais de moagem, frequências rotacionais, etc., tudo para que o experimento científico seja personalizado.
Com uma máquina como essa, o resultado será mais consistente do que quando a moagem é realizada por um humano. Falando assim, até parece ser fácil, sendo necessário “apenas” misturar duas coisas com força suficiente para termos uma reação química. Mas não é bem assim.
Na verdade, existe muita química complexa por trás, e boa parte não é comprometida. “Compreender as transformações mecanoquímicas é uma tarefa problemática precisamente por conta das profundas diferenças entre a química de soluções convencionais e a química ativada por forças mecânicas”, diz a revisão de 2022.
Um pouco antes, em 2019, outro estudo tentou entender e aprender melhor sobre o que realmente ocorre com as partículas quando as substâncias passam por reação mecanoquímica.
A equipe usou modelagem por computador para simular a cocristalização da aspirina e do meloxicam, outro medicamento analgésico. Isso os fez descobrir “novos insights impressionantes“.
Apesar de ambas as medicações terem sido combinadas em suas formas de cristal sólido, sem solvente, apenas um mínimo de energia foi necessário para que eles começassem a se misturar.
“O que me impressionou foi que os cristais se comportam como massa de vidraceiro – eles quase parecem plasticina e são amorfos nesses contatos. Quando você os separa, há um pescoço conectivo de moléculas entre os dois cristais”, disse o coautor correspondente, Professor Stuart James, ao Chemistry World.
Ele também diz que “vejo isso como o início de uma nova área de pesquisa”. Ainda, a União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC, na siga em inglês) concordou, ao nomear a extrusão reativa (que chamamos de mecanoquímica) como uma das dez inovações químicas previstas para mudar o mundo, como parte das comemorações de seu 100º aniversário.
O interesse crescente pela mecanoquímica se dá por ela poder ser utilizada para tornar os processos de síntese atuais mais seguros e sustentáveis. Os solventes, normalmente, constituem a grande maioria de mistura de reação. Mas boa parte deles não possuem bons pontos verdes.
Além disso, muitos deles são perigosos para nós e são difíceis para armazenar e transportar. Isso significa que eliminá-los do processo pode ser bom em vários aspectos. Outro ponto importante destacável é que as reações mecanoquímicas são capazes de progredir mais rapidamente que as convencionais. Isso aumenta sua eficiência.
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Em resumo…
A mecanoquímica, embora não seja solução mágica para todos os desafios enfrentados pela ciência, tem potencial de desempenhar papel crucial na busca por química mais sustentável. Outro aspecto que tem gerado grande repercussão é seu potencial de abrir novas possibilidades para a síntese de materiais.
“Na década de 1990, estudos revelaram que as reações promovidas mecanicamente seguem trajetórias sintéticas diferentes das observadas em soluções”, aponta a revisão de 2022. Os pesquisadores alertam, contudo, que limitar o uso da mecanoquímica a apenas aprimorar processos químicos já conhecidos seria “subestimação absurda e erro potencialmente perigoso”. “Em resumo”, acrescentam, “a mecanoquímica representa oportunidade desafiadora para explorar territórios inexplorados no campo químico”.
Um exemplo notável envolve as N-sulfonilguanidinas, moléculas com grande potencial em produtos farmacêuticos e herbicidas. A síntese desses compostos é extremamente difícil com métodos tradicionais baseados em solventes, mas estudos indicam que a aplicação de energia mecânica pode superar esses obstáculos e gerar rendimento significativamente maior.
Os defensores da mecanoquímica acreditam que muitas reações antes consideradas impossíveis podem ser reavaliadas e viabilizadas por meio dessas técnicas inovadoras. O que antes parecia impossível pode, agora, se tornar realidade — e de maneira mais sustentável. A IUPAC, inclusive, acredita que a mecanoquímica tem o poder de transformar o mundo.