É usual que as respostas de política econômica sejam definidas e executadas com certa parcimônia
, mas existem momentos em que esse comportamento é (e deve ser) alterado. Uma pandemia é um exemplo. Durante a crise econômica decorrente da Covid, a velocidade e a intensidade das respostas fiscais e monetárias superaram diversos paralelos históricos.
Mas será que em todos os países foi assim?
Algo que intrigou a mim e ao meu amigo e colega António Neto durante as reações iniciais à pandemia foi a possibilidade de intensidades distintas estarem associadas a certos arranjos institucionais. Mais especificamente: será que quanto mais democrático um país, mais intensa foi a resposta de política econômica durante os primeiros meses da crise decorrente da Covid 19? Nosso incômodo intelectual culminou na publicação de um artigo acadêmico intitulado
“Is democracy affecting the economic policy responses to COVID-19? A cross-
country analysis”
(“A democracia afeta as respostas econômicas para a Covid-19? Uma análise entre países”, em tradução livre).
Para medir a intensidade das respostas, nós utilizamos um índice desenvolvido por Elgin, Basbug e Yalaman, em 2020, no trabalho “Economic Policy Responses to a Pandemic: Developing the covid-19 Economic Stimulus Index” (“Respostas da Política Económica a uma Pandemia: Desenvolvendo o Índice de Estímulo Económico da covid-19″, em tradução livre”.
Ao utilizarmos os métodos quantitativos apropriados, nós identificamos alguns padrões. Por exemplo, quanto maior o PIB per capita (devidamente ajustado às diferenças nos custos de vida entre países, o que chamamos tecnicamente de ajuste à paridade de poder de compra), mais intensa foi a resposta de política econômica, em média. Ou seja, países mais desenvolvidos responderam mais intensamente.
Outra relação que encontramos foi que, também em média, quanto mais desigual o país (aqui, a desigualdade é medida pelo índice de Gini), menor a intensidade das respostas de política econômica. Com essas duas relações (PIB per capita e índice de Gini), podemos compreender, portanto, as diferenças no pós-pandemia entre os países, entre as regiões e dentro dos países. O mundo como um todo saiu não apenas mais endividado, mas também mais vulnerável e desigual da crise da Covid. E as desigualdades (e consequentes vulnerabilidades) iniciais foram, portanto, intensificadas.
E será que observamos uma associação entre o “grau” de democracia dos países e a intensidade de resposta de política econômica? Sim! Quanto mais democrático um país, temos que, em média, mais forte foi a reação da política econômica. Pode parecer contraintuitivo, mas nós oferecemos uma hipótese para os resultados: as democracias “resolvem” alguns problemas antes deles acontecerem. Explico. Tudo tem um custo (que pode se revelar antes ou depois das escolhas, mas o custo sempre vem) e com a política econômica não é diferente. Por exemplo, quem paga os custos do aumento dos gastos e da
queda intensa dos juros no combate à uma crise econômica? Se deixarmos para tomar essa decisão depois que a crise ocorrer, começa o “jogo de empurra”, com diferentes grupos de interesse tentando “empurrar” a conta para outros agentes.
Quando as regras dos jogos são bem-definidas, é possível desenhar esses mecanismos de resolução de atrito antes dos problemas ocorrerem. Assim, quanto mais democráticos forem os países, possivelmente, melhor eles equacionam os problemas que podem emergir e, durante os períodos de tensão, podem focar em resolver o problema, e não em brigar para ver quem paga a conta. Portanto, é mais uma evidência de que preservar (e melhorar) as instituições dos países gera benefícios não apenas no longo prazo, mas também nos momentos mais delicados. A democracia mostrou isso durante a pandemia.