10/05/2023 – 15:14
Vinicius Loures / Câmara dos Deputados
Deputados ouviram representantes das empresas, da Anac e do Procon
Deputados da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados reclamaram do custo de remarcação e cancelamento de passagens aéreas em audiência pública nesta quarta-feira (10). Eles apontam ainda que as companhias não cumprem o direito de arrependimento previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que confere ao cidadão direito à devolução dos valores pagos quando se arrepende da compra de produto ou serviço feita por telefone ou internet em até sete dias.
Além disso, os parlamentares afirmam que há conflito entre esse dispositivo do código e resolução (400/16) da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) prevendo que a empresa deverá restituir integralmente o valor pago pela passagem quando o passageiro desistir do voo em até 24 horas após compra, desde que haja um prazo igual ou superior a sete dias para a data do embarque.
Vários deputados destacaram que o código está acima da resolução, e presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, o deputado Jorge Braz (Republicanos-RJ) pediu que as empresas e a Anac cumpram o CDC.
O deputado Márcio Marinho (Republicanos-BA), que pediu o debate, disse que o pedido foi motivado por situação pessoal, em que tentou remarcar um voo, mas o valor da multa e da remarcação era “astronômico”, quase o dobro do valor da passagem, valendo mais a pena comprar um bilhete novo. Ele também reclamou de a passagem estar atrelada ao nome do passageiro, não podendo ser repassada a outro passageiro.
Além disso, Marinho ressaltou que o setor aéreo lidera o ranking de denúncias do site Reclame Aqui, que recebe queixas de brasileiros sobre empresas e serviços, e que muitas vezes o consumidor não recebe resposta no tempo previsto na regulamentação, que é de sete dias.
“Além do alto custo para cancelar ou remarcar as passagens, o consumidor também tem dificuldade para fazer esse cancelamento, pois não recebe as corretas orientações. O que as empresas estão fazendo para resolver essas questões junto aos clientes? É só abrir novamente o Reclame Aqui e ver que a falta de informações é um negócio triste”, disse.
Entendimento do Procon
O diretor-executivo do Procon de São Paulo, Wilton Ruas, confirmou que a resolução 400/16, da Anac, não prevê o cumprimento do prazo de arrependimento previsto no Código do Consumidor e permite multa excessiva por cancelamento ou remarcação de passagem. Segundo ele, cerca de 80% das reclamações recebidas pelo Procon-SP sobre o setor referem-se a esses dois pontos.
Ele disse ainda que a resolução da Anac prevê que a empresa deverá oferecer ao passageiro, pelo menos, uma opção de passagem em que a multa pelo reembolso ou remarcação não ultrapasse 5% do valor total dos serviços. Além disso, segundo o CDC, são nulas as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas abusivas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Ruas reiterou que as empresas, em geral, retêm até 100% do valor da tarifa no caso de remarcação de passagem passagens promocionais, e isenta os passageiros de pagar as taxas de remarcação apenas no caso de compra de passagem mais caras.
“É o entendimento, portanto do Procon, que a empresa aérea não pode reter, por exemplo, 100% do valor cobrado da passagem, porque o contrato que estipula a perda total do valor pago sem o usufruto do serviço deve ser considerado abusivo na leitura do Procon”, avaliou.
Posicionamento da Anac
Diretor da Anac, Ricardo Catanant afirmou que fatores como a guerra da Ucrânia, valorizações do dólar e do preço do petróleo pressionam os custos do setor aéreo, que são repassados para os consumidores. Ele admite que as taxas de cancelamento e remarcação “absorvem o valor completo das passagens”, o que “não é bem aceito pelo consumidor”. Mas disse que o questionamento sobre a cobrança desses valores deve ser feito às empresas, já que o modelo adotado pelo Brasil é de liberdade tarifária.
Ele acrescentou que, antes de a agência aprovar a Resolução 400/16, havia uma série de decisões judiciais contrárias à aplicação do direito de arrependimento previsto no Código do Consumidor para a compra de passagens aéreas e que, para dar alguma garantia para o passageiro, a agência permitiu a desistência do voo em até 24 horas após compra.
“Nós não buscamos com isso confrontar ou negar a vigência ou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Essa é uma questão que continua sendo objeto de dissenso e que nós buscamos – e acho que o próprio setor, que busca segurança jurídica, quer – ver isso superado. Então seria interessantíssimo termos uma pacificação, seja via jurisprudência ou aqui mesmo no Congresso”, disse Catanant.
Segundo ele, caso uma decisão nesse sentido seja tomada, a Anac teria de tirar esse ponto da regulamentação. Na Câmara, tramitam algumas propostas que fixam percentual máximo de multa em caso de remarcação de bilhete aéreo (PL 1111/23 e outros).
Catanant afirmou ainda que a resolução da Anac exige que as empresas deem informações claras para o consumidor sobre taxas de remarcação e de cancelamento. E lembrou os consumidores de cobrarem a devolução das tarifas de embarque. “Em todos os casos de cancelamento de voo, o passageiro sempre faz jus à devolução das tarifas de embarque. Isso é pouco conhecido, isso tem que ser divulgado, a regulação da agência já trata disso”, observou.
Vinicius Loures / Câmara dos Deputados
Jurema Monteiro: liberdade tarifária é essencial para garantir a competição no setor
Visão das empresas
Representante do Sindicato Nacional Empresas Aeroviárias e da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear), Jurema Monteiro afirmou que a política de liberdade tarifárias é pilar essencial para garantir a competição no setor, assim como o alinhamento internacional das regras. Ela garantiu que as empresas seguem o regramento do setor, que considera extremamente regulado.
Jurema Monteiro disse que o Brasil tem regras diferentes do resto do mundo no caso de cancelamento de voos por condições climáticas, sendo mais rígido com as empresas, e defende que o regramento avance nesse ponto. Conforme ela, muitas empresas ainda não vieram para o Brasil por conta da diferença das regras internacionais em alguns casos.
Ela citou o aumento expressivo de cancelamento de voos durante a pandemia de Covid-19, com sobrecarga das centrais de atendimento. E mencionou, porém, dados do portal consumidor.gov, mostrando que, no quarto trimestre de 2022, em relação ao quarto trimestre de 2021, houve queda de 44% no número absoluto de reclamações do setor e uma queda de quase 52% no índice de queixas a cada 100 mil passageiros transportados.
“Esses números apontam que a gente conseguiu estabelecer uma normalização dos serviços”, avaliou. Ela disse que o ideal é não ter reclamações, mas elas são naturais num serviço tão intensivo, com tantos usuários. “O número mais importante é que tivemos melhora de 12,4% na solução das reclamações”, acrescentou.
Assessor da presidência da Gol Linhas Aéreas, Alberto Fajerman ressaltou que o setor foi muito castigado pela pandemia, e que as tarifas promocionais só existem porque existem as tarifas mais caras, que têm benefícios em relação às mais baratas, como a isenção de taxa de remarcação de voo. Já o gerente Jurídico da Latam Linhas Aéreas, Rogerio Martes, reforçou que a empresa segue a liberdade tarifária e cumpre todas as leis e regulamentos aplicáveis, principalmente no que diz respeito ao direito à informação na oferta dos serviços.
Vinicius Loures / Câmara dos Deputados
Ivan Valente criticou a elitização das viagens aéreas
Críticas dos deputados
O deputado Ivan Valente (Psol-SP) lembrou que, durante a pandemia, o Congresso Nacional “colocou dinheiro para socorrer o setor aéreo”. Ele disse que, neste momento, há piora na qualidade e elitização do serviço, destacando que não houve redução do preço das passagens com a cobrança pelo despacho de bagagem. Além disso, reclamou de que o consumidor só consegue falar com robôs.
O deputado Duarte (PSB-MA) criticou a Anac por não se posicionar em defesa do consumidor, lembrando que outros serviços começaram a ser cobrados, como o lanche para o passageiro, e a passagem só aumenta. Ele defende a aprovação de lei que fixe multa máxima de remarcação de bilhete aéreo. Roberto Duarte (Republicanos-AC) reclamou especialmente do valor dos voos para a Região Norte e defendeu a abertura de uma CPI das empresas aéreas, inclusive para investigar a Anac, já que considera a fiscalização precária.
Já o deputado Luis Carlos Gomes (Republicanos-RJ) lembrou que o presidente Jair Bolsonaro, por meio da MP 1147/22, zerou as alíquotas PIS e Cofins para as atividades de transporte até 2026, sem que houvesse retorno para a sociedade com a economia das empresas.
O deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), por sua vez, salientou que um dos problemas relatados para a remarcação de passagens é o tempo de espera de até seis horas para conseguir contato com a companhia. Ele disse que apresentará requerimento de informação ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a cobrança efetiva das multas aplicadas pela Anac às empresas aéreas.
A deputada Antônia Lúcia (Republicanos-AC) apontou que os aplicativos das companhias não funcionam devidamente e defendeu a revisão da Resolução 400/16 da Anac.
Defesa da desregulamentação
O deputado Gilson Marques (Novo-SC) discordou das propostas dos outros parlamentares, como CPI, mais regulação e tabelamento de preços. “Quanto mais regulamentação, mais burocracia, mais se afasta novos players. Não vão vir novas empresas, mais empreendedores, quando o serviço é extremamente regulamentado, burocrático como já é no Brasil”, opinou.
Ele disse que novas regras e exigências tornariam o serviço mais custoso. “A única coisa que vai fazer com que o serviço seja melhor é fazermos o contrário: desregulamentar, facilitar, desburocratizar, não fazer uma série de exigências, para que o mercado seja mais livre e atrativo”, completou.
Reportagem – Lara Haje
Edição – Roberto Seabra