A dipirona
, conhecida por sua eficácia no alívio de febre e dor, mantém-se como um dos medicamentos mais vendidos no Brasil e em diversos países ao redor do mundo, incluindo Índia, Alemanha, Espanha, Rússia, Israel, Argentina e México. No entanto, sua presença é ausente nos Estados Unidos e na União Europeia (UE), suscitando questionamentos sobre os motivos dessa proibição.
De acordo com dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mais de 215 milhões de doses da dipirona foram comercializadas no Brasil no ano de 2022.
Por trás da proibição nos referidos locais, encontra-se uma controversa ligada a um possível efeito colateral grave: a agranulocitose. Esta condição, marcada pela redução na quantidade de certos tipos de células de defesa, pode ser entendida como um risco potencialmente fatal associado ao uso da medicação.
Criada em 1920 pela farmacêutica alemã Hoechst AG, a dipirona rapidamente tornou-se disponível nas farmácias, inclusive no Brasil, dois anos após sua criação. Conhecida por sua marca comercial Novalgina, atualmente pertencente ao laboratório francês Sanofi, outros medicamentos populares que contêm dipirona incluem o Dorflex (também da Sanofi) e a Neosaldina (da Hypera Pharma), todos amplamente disponíveis nas farmácias sem a necessidade de receita médica.
Apesar de seus cem anos de existência, a maneira exata como este fármaco opera para reduzir a febre e aliviar a dor permanece envolta em mistério. Segundo a farmacêutica bioquímica Laura Marise, doutora em Biociências e Biotecnologia, a suspeita principal é que a dipirona atue contra uma molécula inflamatória conhecida como COX.
Dipirona faz mal à saúde?
Nathalie Ferreira Silva de Melo, professora do curso de Farmácia da Faculdade Anhanguera, ressalta que a dipirona está no mercado há mais de um século e é considerada um medicamento seguro e eficaz, porém, como qualquer outro medicamento, não está livre de riscos para a saúde.
“Ela pode apresentar algumas reações adversas importantes em pacientes suscetíveis, como reações hipotensivas isoladas (queda brusca da pressão arterial) e reações anafiláticas (reação alérgica imediata que pode ser fatal). Além disso, este medicamento deve ser usado com cautela em pacientes que apresentam problemas no fígado ou nos rins com a finalidade de evitar agravos de saúde”, afirma.
“A dipirona não deve ser usada de forma contínua, salvo em situações específicas onde exista recomendação médica para isso. Nestes casos, os pacientes devem ser acompanhados de perto para o monitoramento e identificação destes possíveis efeitos adversos”, completa.
A professora alerta que existe no nosso país a cultura da automedicação, o que é contraindicado por profissionais. “O acesso da população aos medicamentos é muito facilitado principalmente para os MIPs (medicamentos isentos de prescrição), como é o caso da dipirona. Isso aumenta a ocorrência de episódios de reações adversas, interações medicamentosas e intoxicações”.
“Desta forma, é muito importante a busca de informações e orientação junto ao profissional farmacêutico sobre o uso destes medicamentos. Os farmacêuticos são profissionais habilitados a orientar e esclarecer essas dúvidas recorrentes quanto ao uso de medicamentos”, ressalta.
Proibição
A década de 1960 e 1970 marcaram um ponto de virada no uso da dipirona em boa parte do mundo, quando os primeiros estudos alertaram para o risco de agranulocitose associado à medicação. Um estudo de 1964 destacou que essa complicação sanguínea grave ocorria em um indivíduo a cada 127 que consumiam a aminopirina, substância com estrutura química semelhante à dipirona.
Com base nessas e em outras evidências, a Food and Drug Administration (FDA), agência regulatória dos Estados Unidos, decidiu retirar a dipirona do mercado americano em 1977. Logo após, outros países, como Austrália, Japão e Reino Unido, além de partes da União Europeia, seguiram o mesmo caminho.
No entanto, a partir dos anos 1980, novas evidências sobre a segurança da medicação trouxeram mais controvérsia ao debate. O Estudo Boston, por exemplo, realizado em oito países envolvendo 22,2 milhões de pessoas, encontrou uma incidência baixa de agranulocitose associada ao uso da dipirona, com 1,1 caso para cada 1 milhão de indivíduos.
Investigações adicionais, como uma realizada em Israel, mostraram riscos ainda menores, com uma taxa de 0,0007% de desenvolvimento de agranulocitose entre indivíduos hospitalizados. No entanto, a Suécia, que brevemente reintroduziu a dipirona nos anos 1990, identificou uma frequência mais alta de episódios relacionados à agranulocitose, levando à proibição novamente em 1999.
Essa disparidade de resultados levanta questões, e embora não haja uma explicação definitiva, três fatores são apontados para entender o cenário: diferenças nas populações estudadas, variações nos protocolos de monitoramento e possível subnotificação de casos.
Um estudo abrangente na América Latina, conhecido como Latin Study, realizado entre 2002 e 2005, corroborou com essas complexidades. Com dados de 548 milhões de pessoas, foram identificados 52 casos de agranulocitose, com uma taxa de 0,38 caso por milhão de habitantes/ano. O estudo também destacou que esses eventos adversos são relativamente mais comuns em mulheres, crianças e idosos.
O que diz a Anvisa
Em 2001, a Anvisa realizou o “Painel Internacional de Avaliação de Segurança da Dipirona”, reunindo especialistas nacionais e estrangeiros. Desde então, não foram identificados novos riscos ou alertas de segurança relacionados à dipirona, segundo a agência reguladora brasileira, reforçando a confiança na continuidade da sua comercialização no país.
“Conforme o relatório final, as conclusões do referido painel foram que há consenso de que a eficácia da dipirona como analgésico e antitérmico é inquestionável e que os riscos atribuídos à sua utilização em nossa população são baixos e similares, ou menores, que o de outros analgésicos/antitérmicos disponíveis no mercado”, disse a Anvisa em nota à BBC News.
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