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Discreto, Ademir da Guia fez 81 anos no dia 3 de abril – 05/04/2023 – Juca Kfouri

“Futebol domingo de manhã?

Só podia ser coisa de cartola sem ter o que fazer.

Mas era isso mesmo: Palmeiras e Lusa fariam num domingo de manhã, dia 24 de abril de 1977, pelo Campeonato Paulista, um jogo que não teria muita importância não fosse, dizia-se, pelo fato de marcar a despedida de Ademir da Guia, o Divino, do alviverde.

E lá fui eu testemunhar a história.

Que ganhava contornos de histórica verdade, porque a primeira pessoa que notei na tribuna de imprensa foi Domingos da Guia, o Divino Mestre, apelido que ganhara dos uruguaios ao se sagrar campeão pelo Nacional, em 1933.

O Divino Mestre fora ver o filho jogar.

Ademir já tinha 35 anos e jogara o suficiente para ganhar uma estátua no Parque Antarctica.

Clássico, frio, inabalável, Ademir da Guia resolveu dar um show particular naquela manhã, fazer coisas que nem eram muito do seu feitio –gols, por exemplo.

Fez dois na vitória palmeirense por 3 a 2.

Um mais bonito que o outro, matada no peito, bola no fundo da rede.

E ainda deu outro para Jorge Mendonça –aí, sim, bem ao seu estilo, num passe genial.

Não satisfeito, salvou lá atrás três gols da Lusa, que tinha um inspirado Enéas, autor do gol de empate em 1 a 1, pelo meio das pernas de Leão.

De repente, 35 mil pessoas estavam em pé no Pacaembu aplaudindo Ademir jogar –se despedir?

Ademir da Guia parecia querer mostrar que os cartolas não tinham enlouquecido, que qualquer hora era hora para jogar futebol.

E que futebol!

Estava tão especial que fez 1 a 0 aos 19 minutos do primeiro tempo e 2 a 1 aos 19 do segundo.

Milimétrico, cirúrgico, como sempre.

O velho Domingos, que também foi campeão argentino pelo Boca Juniors, em 1935, e carioca pelo Vasco, em 1934, e pelo Flamengo, em 1939, 42 e 43, era um sorriso só.

O orgulho transpirava, indisfarçável.

Fim de jogo, quem tinha ido ter um aperitivo antes da rodada que aconteceria à tarde sentia-se mais do que banqueteado.

A imprensa cerca o Divino Mestre, que sentencia, impávido colosso: ‘Vim para São Paulo porque soube que ele está parando. Trouxe até uma proposta do Vasco, mas nem vou apresentá-la, porque não sou imbecil. De fato, o time do Palmeiras já não é o mesmo de dois, três anos atrás. Mas o Ademir é’.

Nada mais foi dito nem mais lhe foi perguntado. Nem precisava.

Ademir ainda jogou mais cinco meses, cada jogo um recital.”

Se a rara leitora e o raro leitor chegaram até aqui, saibam que o texto é reprodução de capítulo de um livrinho meu publicado 20 anos atrás, “Meninos, Eu Vi”, pelas editoras DBA/Lance!, já esgotado.

Foi o modo que encontrei para homenageá-lo, já que não tenho o poder de síntese de Armando Nogueira, que, um dia, sobre o Divino, escreveu: “Ademir da Guia, nome, sobrenome e futebol de craque”, referência ainda a Ademir de Menezes, o Queixada, craque pernambucano do Vasco e da seleção.

Muito menos tenho o talento poético do também pernambucano João Cabral de Melo Neto: “Ademir impõe com seu jogo/ o ritmo do chumbo (e o peso),/ da lesma, da câmara lenta,/ do homem dentro do pesadelo./ Ritmo líquido se infiltrando/ no adversário, grosso, de dentro,/ impondo-lhe o que ele deseja,/ mandando nele, apodrecendo-o./ Ritmo morno, de andar na areia,/ de água doente de alagados,/ entorpecendo e então atando o mais irrequieto adversário”, publicado no livro “Museu de Tudo”, em 1975.

Fonte: Folha de S.Paulo

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