sexta-feira, 22 novembro 2024
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Estudo relaciona seca no Cerrado e mudanças climáticas

ESG Insights

Estudo relaciona seca no Cerrado e mudanças climáticas

POR MOLLY HERING

Sofrendo com secas severas há décadas, o Cerrado passa por uma crise hídrica permanente. Seus aquíferos estão perdendo água mais rápido do que conseguem se renovar, os rios estão quase secos, e a população que vive e produz na bacia hidrográfica do Rio São Francisco, antes caudaloso, começa a duvidar se ainda é possível confiar em seu reduzido fluxo para o abastecimento de água e a produção de energia hidrelétrica.

Um novo estudo
traz respostas para a causa da seca, há muito debatidas. Depois de analisar 700 anos de dados climáticos coletados numa caverna em Minas Gerais, um grupo de pesquisadores concluiu que a seca atual, a mais severa dos últimos sete séculos, seria impossível sem o aquecimento atmosférico causado pela espécie humana.

O estudo, publicado na revista Nature Communications
, faz parte de uma pesquisa maior para compreender a variação do clima e as mudanças climáticas no centro-leste da América do Sul.

Cerrado é a savana mais biodiversa do mundo

Bioma que abriga 5% das espécies de plantas e animais do planeta, o Cerrado é a savana mais biodiversa do mundo e uma fonte essencial de água. Os rios que ali nascem são responsáveis pela produção de energia elétrica para nove entre dez brasileiros.

Os pesquisadores coletaram dados da Caverna da Onça, no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, no norte de Minas Gerais. A área fica ao sul do Matopiba, zona que inclui os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia e é a mais recente e importante fronteira agrícola do país.

“Nessa região, sobretudo no oeste da Bahia, que faz divisa com o norte de Minas, o desmatamento e a transformação da vegetação nativa produzem um impacto enorme sobre os ecossistemas, especialmente sobre o fluxo dos rios, os modos de vida e a cultura das comunidades locais”, explica Mariana Bombo Perozzi Gameiro, consultora sênior da ONG Mighty Earth. “É importante lembrar que 12 das principais bacias hidrográficas brasileiras e três aquíferos – o Guarani, Bambuí e Urucuia – dependem do Cerrado como fonte da maior parte de sua água”, complementa.

Originalmente, a equipe de pesquisadores planejava usar os dados para reconstituir o histórico dos eventos climáticos da região, como fortes chuvas ou secas relacionadas à atividade vulcânica, mas a consulta às comunidades locais mudou a abordagem dos cientistas.

“Todos nos perguntavam por que o rio estava seco. Especulavam se a agricultura estava bombeando água do aquífero ou se um terremoto poderia ter feito com que as galerias subterrâneas engolissem o rio”, conta Nicolás Misailidis Stríkis, autor principal do estudo e geocientista da Universidade de São Paulo. “A tendência de seca era um problema evidente, mas varrido para debaixo do tapete. Quando começamos a estudá-la, percebemos que ela estava acontecendo em toda a bacia hidrográfica, não só no Rio São Francisco”, diz Stríkis.

Stríkis e sua equipe costumam ir até o fundo das cavernas para estudar os espeleotemas – depósitos minerais como estalactites e estalagmites – que permanecem intocados pelo clima externo. Mas, nesse caso, optaram por estudar os espeleotemas próximos à entrada da caverna.

“No fundo de uma caverna, a variação anual de temperatura e dos níveis de umidade não mudam. Mas, perto da entrada, a temperatura e a umidade relativa do ar mudam muito, acompanhando o ambiente externo”, explica Stríkis.

Ao estudar a geoquímica dos espeleotemas, os pesquisadores podem mensurar as chuvas, o potencial de evaporação e a temperatura ao longo do tempo. Quando as estalactites do teto da caverna pingam no chão, produzem anéis de calcita que retratam o equilíbrio hidrológico – a diferença entre a quantidade de precipitação e de evaporação – em determinado momento. A calcita também pode dar pistas sobre as variações de temperatura.

Uma história de 700 anos de seca no Cerrado

Dados combinados a partir de dois espeleotemas diferentes – que incluíram informações sobre os níveis dos isótopos de magnésio e oxigênio –, e cruzados com informações meteorológicas de uma estação climática próxima, sugerem uma redução clara na precipitação e um aumento da evapotranspiração (transformação da água do solo e das plantas em vapor).

“Conseguimos reconstruir 700 anos de informações sobre as condições de umidade e seca. Vimos algumas mudanças acentuadas, mas nenhuma variação como esta. Observamos que a tendência de seca se iniciou nos anos 1970, indicando condições que não se equiparam a nenhum outro momento do registro”, conta Stríkis.

Os pesquisadores usaram os dados para construir um modelo capaz de indicar as condições climáticas ao longo do tempo. Ao entrar com uma série de variáveis, confirmaram que o dióxido de carbono foi a principal causa do aumento da temperatura nos últimos 700 anos, e que a tendência de aumento em sua concentração começou há cerca de 50 anos.

Nos anos 1970, a variação de temperatura não pode ser explicada somente pela variabilidade natural do clima, dizem os pesquisadores. “Constatamos que a temperatura deixou de estar pareada com as forças naturais da Terra. A década de 1970 é importante pois foi quando a temperatura começou a esquentar por causa do dióxido de carbono”, diz Stríkis. “Então o que estamos enfrentando agora é uma seca severa e antropogênica que não afeta apenas a sociedade, mas também os biomas.”

Soja e gado levam ao desmatamento

“A década de 1970 foi quando o plantio de soja começou a deixar o sul do Brasil em direção ao Centro-Oeste”, explica Gameiro. “Há algumas décadas, o epicentro da expansão agrícola do Brasil, especialmente da produção de soja, passou a ser o Matopiba. Metade da área do Cerrado foi desmatada e substituída por pastos e plantações. Pesquisas mostram que essa destruição levou a um aumento das emissões de gases de efeito estufa e a déficits hídricos, ambos fatores que impulsionam a tendência de secas observada pelo estudo.”

Para Stríkis e sua equipe, as mudanças climáticas globais, não só o uso local da água, causaram a seca na região. “É a combinação ecológica de uma redução de precipitação com um aumento da evapotranspiração, ambas causadas pelas mudanças climáticas antropogênicas. É o pior cenário que podemos ter”, conclui Stríkis. “Se fosse só causado pela água, poderíamos recorrer a políticas ou tecnologias para contornar o problema. Mas como é causado pelo clima, é o tipo de coisa complicada de mudar.”

No Cerrado, o baixo fluxo dos rios prejudica o acesso à água e a produção de energia hidrelética. “As fazendas de grande porte estão se expandindo rapidamente. Culturas como a soja dependem da precipitação, pois os campos são muito extensos para serem irrigados. Mas o impacto que isso tem sobre a sociedade depende mais de uma política de desenvolvimento sustentável e uso da água”, diz Stríkis.

Se a seca continuar, Stríkis acredita que o Cerrado irá encolher, ao passo que o semiárido avançará. “As espécies que vivem nesses biomas estão perdendo habitat e diversidade genética. Este é o pior impacto, especialmente depois de toda a extinção que já causamos no mundo.” De acordo com Mário Marcos do Espírito Santo, biólogo da Universidade Estadual de Montes Claros, que não esteve envolvido no estudo, esses resultados são “muito importantes para as políticas públicas e as mudanças climáticas”.

“Há muito negacionismo em relação ao clima na região, tanto por parte de representantes do governo quanto  no setor rural. Até onde sei, este é o único estudo no estado que mostra este nível de refinamento científico de uma maneira muito clara. Mostrei esses dados na minha universidade, e eles causaram muito impacto”, diz ele.

Embora Espírito Santo reconheça que a seca não é totalmente causada pela mudança local no uso do solo, ressalta que interromper o desmatamento é essencial para lidar com as consequências das mudanças climáticas antropogênicas.

“A principal fonte de emissões de gases de efeito estufa no Brasil e em outros países tropicais é a mudança de uso do solo – pelo desmatamento e a degradação. Não é possível combater as mudanças climáticas sem parar o desmatamento. Não se trata só de desacelerar seu ritmo, mas de impedi-lo totalmente”, diz ele.

Tradução: Eloise de Vylder

Este texto foi republicado de  Mongabay Brasil 
sob uma licença Creative Commons.  Leia o texto original.

Foto: Fernando Tatagiba/Creative Commons

Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, um dos locais de coleta de dados do estudo

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Fonte: iG

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