sábado, 30 novembro 2024
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Fala do ministro do Trabalho sobre Uber é um convite à irracionalidade

Valter Campanato/Agência Brasil (05/10/2023) – Divulgação/Uber

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, falou sobre a Uber em audiência da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara

Na última semana, o atual ministro do Trabalho
, Luiz Marinho, afirmou, durante audiência da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara
, que se a  Uber
quiser sair do país, é um problema da empresa e que outros concorrentes ocupariam o espaço deixado pela empresa.

Pior ainda, sugeriu que os  Correios
poderiam estudar “um aplicativo de forma mais humana para trabalhadores que desejassem usar o aplicativo dos Correios, para poder trabalhar sem a neura do lucro dos capitalistas, que acontece com Uber, Ifood” etc.

Para além do próprio preconceito demonstrado ao setor privado, a fala do ministro é carregada de um conteúdo sem precedente de ignorância no sentido estrito da palavra. Isso porque ele demostrou um total desconhecimento sobre o modelo de negócio deste tipo de empresa, que envolve plataformas que atuam em um ambiente denominado, em economia
, de mercado de dois ou mais lados.

E esse conceito está bem documentado, por exemplo, em estudo da  Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
de 2009. Segundo a instituição, esses mercados são caracterizados por três elementos.

O primeiro deles é a presença de dois grupos distintos de “usuários” que dependem uns dos outros de alguma forma e que contam com uma plataforma para intermediar as relações entre eles. Uma plataforma de dois lados, por exemplo, fornece, simultaneamente, serviços a esses dois grupos.

No caso específico aqui discutido, a  Uber
é a plataforma que coloca em contato motoristas e usuários de transportes. E, para isso, define um valor a ser pago pelo usuário com base na quantidade demandada e ofertada neste mercado a cada momento, e cobra um valor do motorista pelo serviço a ele prestado ao conectá-lo com o usuário transportado (uma espécie de taxa de desconto).

E essa discussão inicial indica que, longe de haver uma relação trabalhista entre Uber e motoristas, há sim uma relação de prestação de serviços por uma plataforma que interliga dois lados do mercado (usuários e motoristas), cobrando por isso dos motoristas. Note-se que a relação de trabalho que a Uber guarda de fato é com seus empregados diretos, das várias áreas dentro de sua empresa, e não com os motoristas.

O segundo elemento apontado pela  OCDE
é a existência do que se denomina “externalidades indiretas” entre os grupos que fazem uso da plataforma. Traduzindo, o valor que cada grupo atribui à plataforma cresce com o número de pessoas conectadas do outro lado. Assim, uma plataforma será tão mais interessante quanto mais gente estiver a ela conectada, o que exige um trabalho não trivial de investimentos constantes na plataforma, de maneira a mantê-la sempre interessante a todos os envolvidos.

O terceiro elemento é a ausência de neutralidade na estrutura de preços, ou seja, a escolha entre cobrar mais de um lado ou de outro do mercado pode afetar a quantidade de transações e, consequentemente, o lucro e bem-estar da sociedade.

Considerando esses dois últimos aspectos, qualquer interferência governamental que imponha algum custo adicional à plataforma ou restrição à sua forma de definição de preços poderá implicar três movimentos. O primeiro será uma recalibração dos níveis de preço(s) cobrado(s), quando isso não for limitado. O segundo será um desincentivo a investimentos em inovação. O terceiro, até mesmo um desincentivo a permanecer no negócio.

Seja qual for o efeito gerado (inclusive podendo ser uma combinação dos três movimentos acima descritos), o nível de transações se reduzirá, gerando uma perda para todos os envolvidos. Menos usuários usando a plataforma, menos corridas, menos recebimento para motoristas e menos lucro para a plataforma.

No limite, o custo imposto pelo Estado poderá sim inviabilizar o negócio não só para a Uber mas para outros atuais ou potenciais concorrentes. Em realidade, a fala do ministro do Trabalho desconsidera esse efeito, inclusive para os próprios motoristas, exatamente por não entender como esse mercado funciona.

Também desconsidera os efeitos aos “consumidores” dos serviços de transporte, seja porque a imposição de custos maiores certamente elevará diretamente os preços definidos pela Uber, seja porque esse movimento reduzirá a capacidade das plataformas de competir com os táxis, por exemplo.

Por fim, o ministro erra ainda ao pressupor que os Correios resolverão o problema. Criar uma plataforma deste tipo envolve investimentos pesados e constantes em tecnologia, conhecimento de mercado, atualizações de segurança, melhorias de prestação de serviços, busca por serviços adicionais, etc.

Isso não é algo trivial e, na melhor das hipóteses, sendo muito otimista, imporá um custo de oportunidade elevado para uma empresa estatal que mal consegue dar conta de suas obrigações. Ou seja, desviar o foco dos Correios de seu core business
 (“negócio principal”, em tradução livre) só reforça uma visão deturpada da realidade que vivemos hoje, principalmente em um país com o nível do déficit público vigente.

No fundo, a fala do ministro do Trabalho, seja por razões populistas ou pela total incapacidade de entender do que estamos tratando, foi muito irresponsável. Se levada adiante, criará mais uma fonte de insegurança jurídica para novos investimentos em um momento no qual o país precisa, urgentemente, gerar novos empregos.



Fonte: iG

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