sábado, 21 setembro 2024
spot_imgspot_img
HomeEconomiaFalta de posicionamento das lideranças pode mascarar casos de assédio sexual

Falta de posicionamento das lideranças pode mascarar casos de assédio sexual

ESG Insights

Falta de posicionamento das lideranças pode mascarar casos de assédio sexual

POR BÁRBARA VETOS

A cada segundo, uma mulher sofre algum tipo de assédio no Brasil, de acordo com a pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização das Mulheres no Brasil , do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de 2022. A realidade se estende ao ambiente de trabalho. De janeiro a julho de 2023, o Ministério Público do Trabalho recebeu 831 denúncias de assédio sexual em todo o país. Isso representa mais do que o dobro registrado durante o mesmo período em 2022 (393).

“As denúncias estão aumentando porque as trabalhadoras estão mais conscientes sobre o que é tolerável ou não”, explica Nana Lima, empreendedora social e co-fundadora da Think Eva. Antes de haver esse entendimento, a profissional conta que muitos comentários caiam em uma “zona cinzenta”, em que era difícil identificar se existiam más intenções ou cunho sexual por trás. “Comentários invasivos e de duplo sentido sobre a minha roupa, minha vida pessoal e o que eu fiz no fim de semana não têm nada a ver com o trabalho.”

Diferentemente do assédio moral que precisa de frequência, intencionalidade e pessoalidade, basta que o assédio sexual ocorra uma única vez para ser denunciado. Embora os casos continuem aumentando, o número permanece subnotificado.

“Precisamos olhar além daquela estrutura e daquele ambiente que permitiu que isso acontecesse e cobrar responsabilidade pelos atos”, comenta. “Todos na empresa precisam trabalhar para garantir que aquele seja um ambiente saudável e seguro.”

Papel da liderança, hierarquia e poder

Segundo Lima, o assédio se constrói sob uma relação de poder. No ambiente de trabalho, a hierarquia pode ajudar a perpetuar essa situação. “Você não vai assediar alguém que tem o potencial de te prejudicar ou que ocupa um cargo mais alto que o seu, porque você precisa que sua palavra valha mais do que a dela.”

Entre as mulheres que sofreram assédio no trabalho, as principais vítimas são mulheres negras (52%) e aquelas que recebem entre dois e seis salários-mínimos (49%), revela estudo da Think Eva. A empreendedora conta que muitas também são mães solo e a única renda da casa. “Essas mulheres sentem que têm muito mais a perder em caso de denúncia.”

Nesse sentido, ela defende a importância de a liderança dar o exemplo a fim de conter o assédio e promover um ambiente de trabalho mais saudável. Pode ser que não seja ela a iniciar o assédio, mas ela riu do comentário que outro funcionário fez.

“A liderança precisa saber inibir esse comportamento, definir que determinadas coisas não são aceitáveis e que existe uma advertência para cada uma delas”, diz. Se essa postura não vem dela, a profissional considera difícil uma mudança estrutural na organização.

Regras de conduta dentro e fora do escritório

Muito além da jornada de trabalho, o assédio sexual ultrapassa as barreiras físicas do escritório. Mesmo em home office, mulheres ainda estão sujeitas a esse tipo de situação por meio de videochamadas ou comentários nas redes sociais. Momentos como happy hour, confraternizações, eventos externos e viagens a trabalho também se tornam motivo de preocupação entre as vítimas.

Lima explica que é importante que as organizações deixem claro que tipo de comportamentos são considerados inadequados de acordo com seu código de ética e conduta. “Se a companhia tiver tudo formalizado, não tem como o assediador se voltar contra a empresa judicialmente e alegar que não sabia que não podia agir de determinada forma”, comenta.

Do lado das vítimas, a co-fundadora da Think Eva reforça que é importante denunciar e tentar conseguir o máximo de materialidade possível, por mais que seja difícil.

Acolhimento, canais de denúncia e treinamentos

Em 2023, a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (CIPA) adicionou a palavra assédio na sigla e ganhou novas atribuições para o enfrentamento a situações de violência nas relações de trabalho. De acordo com a Norma Regulamentadora n° 5, a formação da CIPA é obrigatória para empresas com mais de 20 funcionários.

Em termos práticos, a companhia deve incluir regras de conduta a respeito do assédio sexual e de outras formas de violência em suas normas internas, receber e acompanhar denúncias, e aplicar sanções aos responsáveis diretos e indiretos pelos atos de assédio sexual. Além disso, a empresa deve realizar ações de capacitação, orientação e sensibilização dos funcionários no mínimo a cada 12 meses.

No entanto, a profissional afirma que ainda existem muitas empresas que não implementaram os canais de denúncia de uma forma adequada. “Denúncia não é vingança, não é retaliação, não é fofoca de escritório”, enfatiza. A ideia é que esses canais sejam um lugar seguro, em que seja possível fazer denúncias com a confidencialidade necessária. Além disso, ela ressalta a importância de que a investigação ocorra entre o compliance da empresa e um serviço externo e neutro, a fim de garantir sua efetividade.

Tema dialoga com pauta ESG nas empresas

De acordo com o levantamento da Think Eva, uma em cada seis vítimas de assédio sexual no ambiente de trabalho pede demissão. A situação também pode fazer com que a pessoa se afaste e enfrente sentimentos de medo, cansaço, diminuição da autoconfiança e autoestima, baixa performance e desenvolva sintomas de ansiedade e depressão.

A falta de investimento em ferramentas de prevenção e cuidado com casos de assédio também é custosa. “Não adianta ficar só fazendo palestra. Precisamos atuar sobre legislação, política afirmativa, e benefícios para as mulheres”. Para ela, isso também faz parte da estratégia ESG das empresas.

“É uma análise de risco e de negócio”, explica. Os riscos vão desde uma avaliação reputacional negativa, até problemas financeiros e pressões de outras empresas e financiadores.

Para Lima, o papel das empresas no enfrentamento ao assédio deve ser o de treinar as lideranças, punir o assediador da maneira adequada, apoiar a vítima, oferecer suporte médico e evitar que outros casos ocorram. “Mas o que eu ainda vejo são empresas brasileiras atuando de maneira reativa, e não proativa. Isso custa caro para essas mulheres”, avalia.

Foto: AndreyPopov/Canva

Muito além da jornada de trabalho, o assédio sexual ultrapassa as barreiras físicas do escritório

O post Falta de posicionamento das lideranças pode mascarar casos de assédio sexual apareceu primeiro em ESG Insights .



Fonte: iG

VEJA TAMBÉM

COMENTE

Por favor, digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

spot_img
spot_img

POPULAR

COMENTÁRIOS