domingo, 24 novembro 2024
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Homem é diagnosticado com doença irreversível conhecida como morte em vida; entenda

Arquivo pessoal

Antonio Maranhão Calmon tem ataxia de Friedrich

Antonio Maranhão Calmon, 47, portador da ataxia de Friedreich, chegou a comandar uma grande empresa de aviação comercial, mas, ao receber o diagnóstico da doença aos 38 anos, teve que abandonar sua carreira.

Conhecida pela sigla AF, a ataxia de Friedreich é uma patologia neuromuscular rara e progressiva que provoca a degeneração de regiões do sistema nervoso central. A maioria dos casos de AF se manifesta significativamente na infância e adolescência, mas não foi o caso de Calmon, que apresentou os sintomas na vida adulta.

Os primeiros sinais evidentes da doença no antigo piloto apareceram na forma de caminhar e na fala. O diagnóstico não foi rápido, e ele passou por um caminho cheio de resultados errados e consultas com múltiplos médicos. A história de Calmon foi contada em matéria do portal UOL.

O homem, que participou do estudo clínico do primeiro medicamento do mundo para o tratamento da doença, teve um caso atípico. Ele relata: “Fui diagnosticado com ataxia de Friedreich aos 37 anos. Comumente, os primeiros sinais da doença se manifestam já com mais força na infância ou na adolescência. No meu caso, foi um pouco diferente — os sinais mais significativos se deram depois dos 30 anos”.

Calmon continua, em tom de memória: “Sempre fui uma criança muito ativa e, quando tinha por volta de 10 anos, algumas pessoas da minha família notaram que eu tinha dificuldade de andar em linha reta. Quando brincava com meus amigos na rua, era o que corria menos, o que tinha menos agilidade”.

Ele esclarece que, quando mais jovem, achavam que os sintomas iniciais da doença eram apenas uma “característica” sua. “Ninguém pensou ser sintoma de uma doença. E fora que era algo bem ameno, nada visível para quem não conhece a AF e, na verdade, até mesmo para quem conhece”.

A vida de piloto

Foi aos 18 anos que Calmon realizou seu sonho de se tornar piloto de avião. “Mas, aos 25, levei o primeiro susto”, relembra. “Com essa idade, perdi pela primeira vez minha carteira de piloto porque, na avaliação anual de saúde, fui diagnosticado com arritmia cardíaca. A suspeita era de síndrome de Wolff-Parkinson-White”.

A carteira do ex-piloto foi recuperada após ele procurar um cardiologista, que realizou um cateterismo e estudo eletrofisiológico. Na época, nada foi encontrado em seus exames, e por isso, ele voltou a pilotar, assumindo-se que não havia problema de saúde.

“Hoje, acredito que essa alteração cardíaca já era uma manifestação mais clara da AF”, comenta. Ele explica que a doença, além de comprometer as ações neuromusculares, afeta o coração e outros órgãos.

O tempo passou e, dez anos após o episódio, Calmon começou a demonstrar outras características da ataxia. Ele cita que o primeiro sintoma notável foi a voz arrastada, que trouxe acusações absurdas e poderiam comprometer sua profissão.

“Fui acusado diversas vezes por passageiros e membros da tripulação de ter bebido. Como estava em uma posição de liderança, sendo responsável por mais de 200 vidas em cada voo, isso se tornou bastante complicado”, explicou.

A empresa em que Calmon trabalhava, no entanto, já o conhecia o suficiente para confiar nele e pensar que sua forma de falar era apenas um traço pessoal. Além disso, ele relata que nunca teve “problemas nas simulações e avaliações, mesmo com as pequenas dificuldades locomotoras”, e segundo ele, não havia sinais de inaptidão para a atividade.

Então, em mais um exame de rotina anual, feito por pilotos para renovar suas licenças, houve uma alteração significativa. “Fui afastado do trabalho e fiz muitos outros exames neurológicos e psicológicos e avaliações fisioterapêuticas”.

O caminho até o diagnóstico final

“Neste período, recebi vários diagnósticos. Um deles foi que eu tinha a doença de Machado-Joseph e, outro, problemas de célula-tronco. Ainda assim, nove meses depois, consegui mais uma vez voltar a voar”, contou.

O piloto continuou consultando médicos em busca de uma resposta definitiva. Durante uma consulta no hospital brasiliense Sarah Kubitschek, foi solicitado um exame neuromolecular: “e foi só então que soube que tinha AF”, conclui.

Ao receber o diagnóstico, o ex-piloto lembra que se sentiu como se fosse o fim do mundo, uma sentença de morte. Ele explica que a doença é conhecida como morte em vida porque o lado cognitivo fica intacto, mas o corpo padece. “É o contrário do Alzheimer”.

Uma outra vida

O homem parou de pilotar definitivamente em 2015, aos 38 anos, ao se aposentar. Ele reconta que, pouco tempo depois, já não era possível correr ou caminhar sem apoio. Ele tem dificuldade de equilíbrio, perda de coordenação motora fina e cai com facilidade, além de se queixar de muita fadiga.

Como formas de se exercitar, Calmon passou um tempo fazendo cursos de mergulho e praticando voo livre com parapente. “Mas aos poucos parei as duas coisas, para não me expor tanto aos riscos”, conta.

Ao mesmo tempo, buscava alternativas que pudessem retardar a progressão da doença, que até alguns anos não possuía um tratamento específico. Aos quase 40 anos, ficou sabendo sobre um estudo da Biogen, nos EUA, para receber o medicamento omaveloxolona. No terceiro mês, já notou melhoras, como diminuição da fadiga e melhora na fala, no andar e na coordenação.

Além de tomar omaveloxolona e óleo de cannabis para ajudar com a insônia, o ex-piloto consulta um neurologista a cada quatro meses, além de outros especialistas, como oftalmologista, otorrinolaringologista e cardiologista. Ele também faz fisioterapia três vezes por semana.

“Aprendi a aceitar o que a vida me deu e não tenho raiva da minha condição, da doença. Não me permito mais sentir pena de mim mesmo e busco formas de ser feliz dentro das minhas limitações e me manter independente pelo maior tempo que puder. Entendi que não devo criar mais limitações além das que já tenho”, termina Calmon, ao contar sua história de superação ao UOL.

Saiba mais sobre a ataxia de Friedreich

Trata-se de uma doença rara, de base genética, progressiva, debilitante e que diminui a expectativa de vida. Embora seja rara, é a forma mais comum de ataxia hereditária recessiva, afetando, em média, uma em cada 50 mil pessoas no mundo, segundo dados da Fara (Friedreich’s Ataxia Research Alliance).

O Brasil figura como o segundo país com mais casos, atrás apenas dos Estados Unidos. Foram mapeadas pela Associação Brasileira de Ataxias Hereditárias e Adquiridas (Abahe) 730 pessoas com a doença.

Na patologia, ocorre um defeito genético que faz com que algumas regiões do sistema nervoso central sofram um processo de degeneração. Geralmente, ela se inicia na pré-adolescência, causando alterações motoras, com sintomas como perda de coordenação, equilíbrio e força, dificuldade para andar e fraqueza muscular.

O defeito genético ocorre por uma mutação do gene FXN, o codificador da proteína frataxina. Esta é importante para a função da mitocôndria, organela presente nas células que atua como uma espécie de usina, sendo a fonte de produção de energia do corpo.

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Fonte: iG

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