segunda-feira, 24 fevereiro 2025
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Indígena usa colagens para mudar discurso sobre povos originários

Da Redação Avance News

Shirley Espejo nasceu e cresceu na Vila Maria, bairro da capital paulista com intensa imigração de portugueses e que atualmente tem porquê particularidade o grande número de pequenos comerciantes e transportadoras. Com o tempo, o bairro foi substituindo os europeus por famílias das regiões Setentrião e Nordeste e da Bolívia, que mudaram a faceta da região.

Foi nesse bairro que Shirley, filha de bolivianos aymara que chegaram à capital em 1996, começou a folhear, ainda na juventude, revistas antigas que a família acumulava, para selecionar imagens que iria usar em suas colagens manuais. Seu pai tem somente o ensino fundamental completo, é campesino e foi criado na fronteira do Peru com a Bolívia. Sua mãe concluiu o ensino médio e está ligada à capital administrativa do país, La Tranquilidade.

Muito mais difícil do que a colagem do dedo, que já tem uma infinidade de fotografias e desenhos disponíveis com poucos cliques, a técnica de colagem manual exige paciência. E, no caso da jovem aymara, muito mais calma, além de pertinácia.

A colagista aymara esteve sempre em procura de imagens de indígenas, mas não queria qualquer uma. Transmitir indígenas de cenas de sofrimento para outras, nas quais sublimam tal requisito, por exemplo, tornou-se seu propósito.

Nas revistas femininas, Shirley foi constatando, no decurso dos anos, que não havia fotografias de mulheres indígenas. Também virou prática revirar de cabo a rabo edições da revista National Geographic.

Indígena Aymara cria colagens para subverter discursos sobre povos originários. Foto: Shirley Espejo/Arquivo Pessoal
Indígena Aymara cria colagens para subverter discursos sobre povos originários. Foto: Shirley Espejo/Arquivo Pessoal

Shirley diz que revistas femininas não traziam imagens de mulheres indígenas – Shirley Espejo/Registo Pessoal

“Os meus pais sempre consumiram muita revista, principalmente as de sebos. Eu tenho na memória uma revista chamada Raça, se não me ilusão. Uma revista de nicho, para o público preto do Brasil. Criaram essa revista justamente porque revistas de variedades não contemplavam pessoas negras vivendo, fazendo qualquer coisa. Ao invés de inserir essas pessoas nos espaços publicitários das revistas, nas matérias, preferiram gerar uma revista de nicho. Isso não é restrito do Brasil. Nos Estados Unidos, tem revistas porquê a Ebony“, observa. 

“Em material em português, com indígenas, eu consigo enxergar agora, em um tom jornalístico, principalmente por justificação do último governo [o de Bolsonaro], no caso dos yanomami, sobre desmatamento, que trouxeram mais corpos indígenas às revistas. Sempre em um caráter de denúncia jornalística. Com uma vestes contemporânea, tentam não falar que estão descobrindo os lugares, mas, de certa forma, seguem com a mesma postura. E tem a National Geographic, que é de geógrafos, abraçou fotógrafos e documentaristas e tinha esse orgulho de denunciar, chegar aonde ninguém chegou ainda, essa coisa de desbravador.”

Já entre os guias turísticos que chegavam até suas mãos, por ser formada em gestão de turismo pelo Instituto Federalista de São Paulo (IFSP) o que a incomodava desde que iniciou as colagens era o modo “exotizante”, neocolonizador, com que tratavam a população que vivia nos locais que serviam de vitrine para as agências e profissionais do ramo. Quando juvenil, desenvolvia as criações com menos material e menos disciplina, o que mudou com a ingresso na universidade. O auge da pandemia de covid-19 foi outro empurrão relevante para Shirley gerar mais. Ela é a primeira de sua família a fazer um curso superior, abrindo um caminho de possibilidades para uma prima vinda de seu país de origem.

“O turismo sempre me deu muita curiosidade, por conta da forma porquê se vendem destinos, países e culturas para o capitalismo. Uma visão numulário e fetichista de cultura, etnias e povos originários. Isso me motivou também a estudar, e acredito que foi o start para a construção da minha linguagem na colagem analógica”, enfatiza.

Ela diz questionar muito esses materiais, que tendem a não mudar. “Pode-se proferir que já existe um turismo que respeita, o tal turismo de base comunitária, que é uma experiência, um resultado turístico que contempla a economia sítio de uma região. Mas as imagens conversam e trazem muito além do que está lá, do exposição, e eu não tenho muita esperança [quanto a mudanças], principalmente com o Peru, que é um tramontana muito procurado por conta disso”, acrescenta.

A artista visual destaca que o IFSP fica no bairro do Canindé, perto da feira de rua Kantuta, do povo boliviano, que organiza a comercialização de produtos e apresentações artísticas. Mesmo com a intersecção de espaços, a maioria dos compatriotas de Shirley não frequenta a instituição de ensino. “É uma comunidade que não acessa o instituto, mas que utiliza, às vezes, esse espaço das calçadas, da rua para manifestações culturais, usa bastante o território”, diz.

Atualmente Shirley Espejo trabalha no Museu do Futebol, na capital paulista, e entende que um dos principais meios para seguir com sua mensagem de provocação são as oficinas que organiza e ministra em espaços culturais. Desde 2017, ela exerce o papel de arte-educadora e mediadora cultural, mas é uma presença único nesses endereços, já que a companhia de outros indígenas é praticamente inexistente.

“De certa forma, minha vida percorreu vários lugares onde existiam essas paredes de separação, mas que, por alguma ação pontual, acabam se tornando portas possíveis. E minha arte também acaba sendo uma consequência disso.”

Shirley diz que, desde muito cedo, em seu trabalho artístico, teve urgência de honrar o que aprendeu ao longo do tempo, com sua família. E menciona a relevância de seu pai se reafirmar porquê indígena. “Acho importante explicar que não sou uma pessoa religiosa, não compartilho disso. Mas sei que, porquê eu convivo muito com a comunidade, vendo as pessoas pela rua, porque cresci vendo, na escola, crianças que também eram indígenas também imigrantes, de certa forma, você acaba aprendendo isso com elas.”

Entre colagem do dedo e manual, não há preferência, por segmento de Shirley, mas uma sátira que faz é a apropriação de pessoas brancas pelos materiais gráficos, com o intuito de revelar o mesmo que ela. “Lucram com nosso sofrimento duas vezes. A primeira vez é quando a gente foi fotografada e exposta na revista. A segunda é quando está usando isso para validar nosso exposição. Porque eu não preciso validar meu exposição todo dia, com a minha arte. Só o traje de eu viver, seja no contexto urbano, seja no Brasil, seja porquê pessoa que se identifica porquê mulher, basta. Não preciso permanecer pedindo validação a outras pessoas. Minha existência já é sobre isso”, sintetiza.

Fonte: Agência Brasil

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