Os montanhistas mais antigos do Brasil conhecem bem as vias de escalada localizadas no parque estadual do Jaraguá, a 23 quilômetros do centro de São Paulo. Várias gerações aprenderam a escalar por suas pedras desde a década de 1950, época em que os equipamentos eram raros, caros e pesados, e esse negócio de se pendurar de morros, coisa de meia dúzia de malucos. Depois de alguns acidentes, a principal das vias (caminhos traçados na rocha, com diversos níveis de dificuldade e configurações), chamada de C3 (Campo 3), foi fechada e os planos para sua recuperação ficaram esquecidos por décadas. Finalmente, em 2018, alguém encontrou o projeto em alguma gaveta e resolveu retomar a empreitada. Com a ajuda de um punhado de voluntários e um bocado de burocracia, finalmente a via está pronta para ser liberada —a combinar com a papelada da vida real.
No dia 3 de março passado, foi publicado no Diário Oficial de São Paulo o Chamamento Público nº 012/2023, que convoca os interessados em utilizar a via histórica de escalada a se inscreverem junto à Fundação Florestal, demonstrando que atendem a uma longa série de exigências. O excessivo detalhamento do edital causou surpresa a alguns praticantes, que temem a criação de uma espécie de reserva de mercado para umas poucas agências ou academias. Procurados, a Fundação Florestal, responsável pela unidade, e o gestor do parque, Gustavo Lopes do Espírito Santo, não se manifestaram até a publicação deste texto.
O trabalho de reabertura da via C3, segundo Fábio Alberti Cascino, do Clube Alpino Paulista, que participou da empreitada, incluiu a retirada de todos os grampos e placas velhos, o regrampeamento da via para passagem das cordas, e, para complicar um pouco as coisas, a desocupação de uma enorme colmeia de abelhas instalada em uma das fendas principais.
“As abelhas estavam a poucos metros do acesso à via, e atacavam quem passava perto”, conta Cascino. “Elas já haviam sido retiradas uma vez pelos bombeiros, que não conseguiram pegar a rainha e, com isso, a colmeia se reinstalou no local”, acrescenta.
Armado da indumentária tradicional de manejo de abelhas, Cascino retirou novamente as abelhas, passou um produto químico que pretende evitar que elas retornem e liberou a via para seu uso esportivo e, principalmente, educacional. É que, por não serem grandes estruturas de pedra, ostentando menos de 10 metros de altura, a C3 é ideal para ensinar os primeiros passos a quem está disposto a se aventurar morro acima. E se dali até o Everest é um longo e árduo caminho, nunca é demais lembrar que o primeiro passo é sempre o mais importante.
Ah, sim, vai me perguntar o leitor, e estamos falando da C3, o que houve com as vias C1 e C2? A primeira, por ser simples demais, praticamente não é utilizada, pois tem pouco a ensinar. Já a segunda, foi desativada pelos próprios escaladores, cansados de levarem na cabeça latas e lixo jogados pelos visitantes do pico menos esportistas —e mais mal-educados.
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