Os ministros da Primeira Turma do STF analisam uma resolução promulgada pela Câmara que determina o trancamento de um processo penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), réu por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes.
O julgamento da Turma avalia o alcance da medida, aprovada por 315 votos a 143. Chancelado pela maioria absoluta dos deputados, o texto prevê a suspensão do andamento de toda a ação contra Ramagem, abrindo também — em uma manobra feita no texto— uma brecha para que outros réus sejam beneficiados.
Caráter ‘personalíssimo’
Relator da ação do golpe, o ministro do STF Alexandre de Moraes votou para considerar que a resolução da Câmara trava apenas parte da ação contra Ramagem e que não há qualquer possibilidade de os efeitos se estenderem a outros réus.
“Os requisitos do caráter personalíssimo (imunidade aplicável somente ao parlamentar) e temporal (crimes praticados após a diplomação), previstos no texto constitucional, são claros e expressos, no sentido da impossibilidade de aplicação dessa imunidade a corréus não parlamentares e a infrações penais praticadas antes da diplomação”, afirmou Moraes.
O entendimento foi seguido pela maioria dos ministros da Primeira Turma. O julgamento, realizado de maneira virtual, termina na próxima terça-feira (13).
Lideranças da oposição na Câmara criticam o voto de Moraes e acusam o Supremo de interferir e tumultuar a relação com o Poder Legislativo.
A Constituição determina que, em caso de abertura de processo penal contra um deputado por crimes ocorridos após a diplomação, a Câmara pode decidir se a ação terá prosseguimento ou ficará suspensa até o fim do mandato.
No caso de Ramagem, porém, o STF afirmou que a Casa só poderia analisar o trancamento de parte do processo — as fatias relativas a dois dos cinco crimes.
O entendimento é que os demais delitos ocorreram antes da diplomação e não estariam abrangidos pela regra da Constituição.
‘Perseguição política’
O plenário da Câmara, porém, foi contra a manifestação enviada ao presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), pela própria Primeira Turma do STF.
A maioria da Casa decidiu manter o parecer de Alfredo Gaspar (União-AL) que criticava a ação contra Ramagem, acusava a Corte de “perseguição política” e que acenava a uma série de deputados na Casa:
representados pela oposição, que tentava emplacar a medida para travar todo o processo e beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), também réu ao lado de Ramagem;
e até mesmo aos parlamentares do Centrão e da base governista, que defendem uma resposta do Congresso ao avanço do Judiciário contra as prerrogativas parlamentares.
Para parlamentares do Centrão e da oposição, os primeiros votos depositados no julgamento da Primeira Turma reforçam a tese de que há avanço do Judiciário sobre o Congresso.
Duas lideranças próximas a Motta afirmam que o presidente da Câmara já andava “incomodado” com decisões recentes do Supremo.
E, na avaliação deles, o julgamento da Primeira Turma da Corte pode ampliar a irritação de Hugo Motta. A aposta é a mesma dentro da oposição, que defende uma “reação” da Casa.
“Tenho convicção que isso deve incomodá-lo ainda mais. Ele já andava muito incomodado, imagine agora”, disse um líder.
Em entrevista ao “Valor Econômico”, na manhã de quinta (8), horas depois de a Câmara aprovar a proposta para paralisar o caso contra Ramagem, Hugo Motta saiu em defesa da medida e disse esperar que ela fosse “respeitada”.
“A Câmara tomou a decisão que entende ser correta e estamos aqui para defender aquilo que foi a vontade da maioria do plenário. Essa decisão do plenário é uma decisão jurídica, mas também uma decisão também política […] A Câmara tomou a decisão, encaminhamos ao STF e esperamos que a nossa decisão seja respeitada”, afirmou.
“Tem muitas decisões do Judiciário que incomodam o Legislativo. E nem por isso o Judiciário deixa de tomar as suas decisões. Como também o inverso tem que ser respeitado. O Parlamento tem a sua independência”, declarou Hugo Motta.
Em abril, durante um evento com empresários, Hugo Motta já havia chegado a afirmar que o Judiciário estava “se metendo em praticamente tudo” e que isso não era “bom para o país”.
“Do ponto de vista da segurança jurídica, a interferência, muitas vezes de forma reiterada, do Judiciário atrapalha. O Judiciário está se metendo em praticamente tudo, e isso não é bom para o país. Acaba que não tem uma regra, e você não sabe como vai estabelecer o seu investimento”, disse Motta em evento do Esfera Brasil.
Reação e contrarreação
Uma liderança de um partido da base governista avalia que, embora o julgamento no STF seja apenas uma “reação” à medida que beneficiaria Ramagem, isso pode servir para estimular “contrarreações” a decisões da Corte.
Para esse líder, a resolução promulgada pela Câmara enviou um “recado de que o clima não está bom”.
Nos corredores da Câmara, como mostrou o blog da Daniela Lima no g1, há um desejo de ampliar a blindagem dos parlamentares em inquéritos na Corte, de olho nas investigações sobre emendas parlamentares.
Os líderes do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), e da oposição na Câmara, Zucco (PL-RS), criticaram publicamente os votos de Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin.
Sóstenes afirmou que Moraes “humilhava a Câmara”. Zucco, por sua vez, disse que o Brasil presenciava um “grave atentado à harmonia entre os Poderes”.
“O voto de Alexandre de Moraes é um tapa na cara da democracia. Precisamos recorrer e pedir que minimamente a decisão da Câmara seja votada em sessão presencial e pelo pleno do STF”, escreveu Sóstenes.
“A Câmara dos Deputados, em votação pública e transparente, decidiu suspender uma ação penal viciada desde sua origem. A decisão do Parlamento não foi um gesto político, foi um ato constitucional, amparado no artigo 53 da Carta Magna. Ao ignorar essa decisão, o ministro afronta a própria Constituição da República”, declarou Zucco em nota.