Liz Brunetto | MidiaNews
Há um ano, o massacre que ficou conhecido como a “Chacina de Sinop” marcava para sempre a população da cidade e, porque não dizer, a de todo o Mato Grosso.
Sete pessoas, entre elas uma criança de apenas 12 anos, foram assassinadas a tiros em um bar no dia 21 de fevereiro de 2023, último dia de carnaval.
A decisão de pronúcia do réu traz trechos dos depoimentos daqueles que sobreviveram ao massacre, e mostram os momentos de terror vivenciados pelas vítimas, que não tiveram chance alguma de defesa.
O assassino confesso, Edgar Ricardo de Oliveira, teria cometido o crime após perder cerca de R$ 4 mil em partidas de sinuca para uma das vítimas.
O comparsa dele, Ezequias Souza Ribeiro, morreu no dia seguinte ao crime, em confronto com policiais.
Edgar se apresentou espontaneamente à Polícia no dia seguinte à morte do comparsa, exigindo a presença da imprensa.
Quem eram as vítimas?
Getúlio Rodrigues Frazão Junior, de 36 anos, ganhou as partidas contra o seu adversário e foi uma das vítimas.
Ele estava acompanhado da filha de 12 anos, Larissa Frazão de Almeida, que foi morta ao ser atingida por um tiro nas costas enquanto tentava fugir.
Maciel Bruno de Andrade Costa, de 35, era dono do bar em que tudo aconteceu e também foi assassinado.
As demais vítimas eram apenas espectadores e foram identificadas como Orisberto Pereira Sousa, 38, Adriano Balbinote, 46, Josué Ramos Tenório, 48, e Elizeu Santos da Silva, de 47 anos.
Getúlio estava acompanhado ainda da esposa e de um sobrinho, que sobreviveram por muito pouco ao massacre.
Vivenciaram o crime
Na tentativa de diminuir a pena, a defesa de Edgar pediu à Justiça o afastamento de quatro qualificadoras dos crimes de homicídio, alegando que ele sofreu “chacota”.
A versão, no entanto, não se sustenta diante do testemunho dos sobreviventes e familiares das vítimas, além dos de investigadores e escrivães.
A esposa de Getúlio, Raquel Gomes de Almeida, contou em depoimento como sobreviveu ao massacre, após a arma do atirador ficar sem balas quando mirou contra ela. A vítima presenciou a família ser dizimada com a morte de marido e filha.
Segundo Raquel, Getúlio foi convidado por Maciel Bruno a jogar sinuca. Ele teria enfrentado Edgar em outras partidas havia menos de uma semana e perdido.
No dia do crime, no entanto, Getúlio ganhou duas vezes do adversário. “O outro sujeito que estava com o réu mandou todo mundo ir para a parede, enquanto o acusado pegou a arma de fogo e começou a atirar”, disse ela.
Segundo a testemunha, não houve nenhum desentendimento entre seu marido e Edgar antes da matança começar.
Ela disse que quando atiraram em Maciel Bruno, todos se assustaram, e sua filha saiu correndo. “Quando a declarante tentou acompanhá-la, eles a mandaram deitar no chão”,diz trecho.
“Afirmou que o acusado mandou outro sujeito pegar tudo o que fosse possível, sendo que ele chegou perto da declarante e apertou o gatilho da arma, mas não tinha mais munição e, então, ele levou a sua bolsa”.
Edgar fugiu do local com seu comparsa, levando a bolsa de Raquel e parte do dinheiro que perdeu que estava sobre a mesa de sinuca.
Raquel “negou que tivesse sido feito algum deboche ou desentendimento com o acusado, alegando que ele apenas ficou inconformado em ter perdido a aposta feita no jogo”.
Luis Carlos Souza Barbosa, sobrinho de Getúlio, também estava no bar e disse ter sobrevivido por instinto. No início, quando a dupla rendeu as vítimas, ele pensou que faziam aquilo apenas para recuperar o dinheiro perdido.
Mas, quando viu o dono do bar ser assassinado a sangue frio e ouviu o segundo disparo, ele saiu correndo em disparada.
Segundo a vítima, ao perder a primeira partida, Edgar não esboçou nenhuma reação adversa, mas a situação mudou de figura quando continuou perdendo.
“Disse que o acusado perdeu e, então, se retirou do local com o outro sujeito, sem esboçar qualquer reação de inconformismo, retornando, em seguida, chamando a vítima Getúlio para jogar novamente”, diz trecho do documento.
“Contou que, ao perder novamente, o acusado jogou o taco em cima da mesa, demonstrando nervosismo e foi em direção à caminhonete. De imediato, o parceiro dele sacou uma pistola do bolso e rendeu todo mundo na parede”.
O depoimento da esposa do empresário Maciel Bruno, Kelma Silva Santos Andrade Costa, também vai contra a versão sustentada pela defesa de Edgar.
Ela disse que trabalhava no estabelecimento com o marido nos dias de torneio e afirmou que Edgar e Getúlio frequentavam o local. Ela não tinha conhecimento de nenhum desentendimento entre eles ou com as demais vítimas.
Segundo o investigador Wilson Cândido de Souza, “pelo que foi apurado, a motivação do crime foi o acusado ‘não ter gostado do resultado do jogo”’.
Apesar de ter sido “ventilada uma possível ‘gozação’ das pessoas que estavam no local, disse que não ficou apurado isso nas investigações, nem mesmo que houve desentendimento anterior”.
Apenas a esposa e a mãe de Edgar corroboram com a versão dele, dizendo que ele já havia mencionado as gozações.
Edgar negou que a motivação do crime tenha sido o jogo e, sim, a chacota envolvendo sua vida privada.
“Os presentes estavam fazendo chacota envolvendo sua atual esposa, envolvendo, inclusive, a paternidade do filho que ela está esperando”, diz trecho.
No meio das costas
Edgar e sua defesa afirmaram diversas vezes que não foi a intenção dele matar a garota de 12 anos e que, na verdade, ele mirava em Luis Carlos, que havia fugido correndo do local.
No depoimento do Escrivão de Polícia Civil Thyago Celestino Pereira, consta que Edgar teria dito, enquanto ainda estava na viatura da Polícia, que “pensou em se matar, pois estava arrependido de ter tirado a vida da criança”.
Indo contra essa versão, no entanto, Thyago Celestino cita o impacto da arma usada pelo réu, uma espingarda calibre 12, e a experiência do réu com armas.
O disparo, segundo ele, sai em forma de círculo, que atinge exatamente onde foi mirado.
“Analisando a foto da perícia da vítima Larissa, percebe-se que o círculo das esferas do disparo está bem no centro de suas costas, de modo que o réu tem conhecimento de que o projétil dificilmente desviaria da mira”.
Edgar era CAC (colecionador, atirador desportivo e caçador) e fazia treinamento de tiro, além de ter autorização para ter armas.
Réu vai a júri
A juíza Rosângela Zacarkim dos Santos, da 1ª Vara Criminal do Município, marcou para o dia 18 de junho o júri popular de Edgar.
Na mesma decisão, a magistrada manteve a prisão preventiva do acusado e autorizou que o jornalista Roberto Cabrini, da TV Record, entrevistasse Edgar, desde que ele e sua defesa concordem com isso.
Ele responde por sete homicídios com as seguintes qualificadoras: motivo torpe, meio cruel, perigo comum, recurso que dificultou a defesa das vítimas, vítima menor de 14 anos, concurso de pessoas, emprego de arma de fogo e concurso material.
Edgar está preso na Penitenciária Central do Estado (PCE), em Cuiabá.