O CEO do Global Environment Facility (GEF), Carlos Manuel Rodríguez, afirma que o Brasil é um país absolutamente central para o sucesso das políticas ambientais globais.
“Não haverá nenhuma política ambiental que gere benefícios globais sem o total comprometimento e engajamento do Brasil”, afirmou ele, em entrevista exclusiva à CNN.
“O GEF está aqui para apoiar o país nesse esforço, nessas iniciativas. E é por isso que estamos fazendo o nosso encontro anual no Brasil. Este é um país onde podemos mostrar o impacto da contribuição ambiental multilateral e do apoio financeiro”, disse ele.
O GEF é o mais antigo fundo multilateral de financiamento do meio-ambiente, criado durante a Rio-92. Com sede em Washington, todas as reuniões anteriores do conselho da entidade foram feitas na capital americana. A reunião da semana que vem, em Brasília, inaugura a fase mais internacional desses eventos.
O Brasil é o segundo país que mais recebeu recursos diretos do GEF.
Em 30 anos, foram mais de US$ 1,2 bilhão (equivalente, em valores de hoje, a mais de R$ 5,7 bilhões). Foram 133 projetos, que geraram ainda outros US$ 5 bilhões (quase R$ 24 bilhões) adicionais em cofinanciamento de outras fontes.
Rodríguez diz que isso se justifica por duas razões.
Em primeiro lugar, a importância dos biomas brasileiros para a preservação da biodiversidade e o combate às mudanças climáticas.
O segundo fator é a qualidade dos resultados apresentados pelo país.
“Eu diria que 85% dos projetos do Brasil são de primeira qualidade. E isso pelas capacidades humanas e institucionais que o país possui”, diz ele.
O CEO do GEF comentou ainda sobre a importância da COP 30, a cúpula mundial do clima, ser realizada na Amazônia. O evento vai acontecer em 2025, em Belém, a capital do Pará.
“Acho que a COP 30 vai fechar o ciclo conectando a ação contra as mudanças climáticas e a ação para manutenção da biodiversidade. Porque a perda da biodiversidade e as mudanças climáticas são dois lados da mesma moeda. No entanto, continuamos a abordar os dois problemas como se fossem temas diferentes”, afirmou ele.
Veja a seguir os melhores trechos da entrevista exclusiva da CNN com Rodríguez:
CNN: Quão importante é a decisão do GEF de fazer esta reunião específica do conselho no Brasil?
Carlos Manuel Rodríguez: Esta reunião no Brasil é extremamente importante por muitas razões. Primeiro, esta é a primeira vez em 30 anos que o GEF organiza uma reunião do conselho fora de Washington.
Temos feito as reuniões sempre em Washington porque é onde temos a nossa sede. Mas para mim, sendo o primeiro CEO vindo do sul global, da Costa Rica, é uma grande oportunidade para que todos nesta parceria entendam que a reunião do conselho do GEF é uma questão relevante e não deve ser apenas em Washington todos os anos.
Decidi conversar com as novas autoridades do governo brasileiro e convidá-los a explorar as possibilidades de organizar esse grande evento.
Então, é significativo que pela primeira vez estejamos fazendo uma reunião fora e este evento será em Brasília. Acho que isso, por si só, já tem muito peso.
A segunda razão é que o conselho, que representa 188 países, entre receptores e doadores, tomará decisões sobre alguns temas históricos.
O primeiro tem a ver com a alocação de US$ 1,4 bilhão (cerca de R$ 6,7 bilhões) para ações climáticas para proteção da biodiversidade, para poluição química e plástica e resíduos para águas internacionais. Refiro-me a todo o escopo dos acordos ambientais internacionais.
Parece simples falar em US$1.4 bilhão, mas isso tem múltiplas implicações e quero provar que o multilateralismo é bom, é saudável, é o caminho certo para lidar com as questões globais.
As corporações internacionais devem estar no centro dos desafios climáticos e de biodiversidade globais.
CNN: Esta é a primeira vez que o evento acontece fora de Washington. Por que no Brasil?
Rodríguez: Porque o Brasil é significativo para essa parceria, para o GEF. O Brasil tem sido um dos países de maior impacto, o mais eficiente em termos de resultados esperados na parceria com o fundo.
Num momento em que os países têm dúvidas sobre a cooperação internacional, sobre a eficácia do multilateralismo, organizá-la em um país que já provou usar os recursos do GEF de forma estratégica, de forma transformadora, é um recado muito bom para muitos os países.
Além do fato de que o novo governo proporcionará a parceria com a liderança global.
Não haverá nenhuma política ambiental que gere benefícios globais sem o total comprometimento e engajamento do Brasil. E o GEF está aqui para apoiar o país nesse esforço, nessas iniciativas. E é por isso que estamos fazendo o encontro anual no Brasil.
Então é significativo. Este é um país onde podemos mostrar o impacto da contribuição ambiental multilateral e do apoio financeiro.
CNN: A segunda pergunta é que o senhor mencionou a alocação de US$ 1,4 bilhão. A destinação de todo esse valor será discutida nesse encontro?
Rodríguez: Sim, há um item da agenda que tomará a decisão de alocar todo esse dinheiro para 133 países que vêm trabalhando juntos.
Esta é uma mistura de projetos globais, regionais e nacionais. É um grande esforço criar 50 projetos para alocar recursos em 133 países. Não é fácil, mas em momentos em que os países têm dúvidas sobre a eficácia do multilateralismo, o GEF quer dar uma grande contribuição nessa discussão sobre como todos nós podemos ter mais impacto.
Como podemos gerar mais resultados, especialmente ajudando os países a alinhar seu planejamento orçamentário e modelo econômico com o acordo de Paris, com uma nova estrutura para a conservação da biodiversidade e com seus próprios compromissos para lidar com a poluição química e de resíduos.
Isso é tão grave quanto a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas.
CNN: Esses US$ 1,4 bilhão são para ser investidos em um ano só ou é um compromisso para vários?
Rodríguez: Temos um orçamento de US$ 5,3 bilhões para alocar nos próximos quatro anos. Esta é a primeira alocação neste período de quatro anos.
Serão 133 países beneficiados, divididos em cerca de 50 projetos que abrangem quase todas as questões ambientais globais e quase todas as regiões. Desde a menor ilha do Pacífico Sul até o Brasil, China e Índia.
CNN: Essa é a quantia oferecida pelo GEF. E quanto pode vir de cofinanciamento, envolvendo outras entidades?
Rodríguez: O cofinanciamento é outro elemento. Teremos cerca de US$ 10 bilhões em cofinanciamento. Quero lembrar a todos que o GEF é uma fonte multilateral que concede recursos de doações a países em desenvolvimento e nações de renda média para implementar seus acordos e compromissos ambientais internacionais.
CNN: Um dos pontos-chave da discussão será em torno do Fundo Global de Biodiversidade, cuja criação foi recomendada na última Conferência sobre Biodiversidade, a COP15, em Montreal, no Canadá, no fim do ano passado. Por que esse novo fundo é tão importante e como ele funcionará?
Rodríguez: Bom, é extremamente importante porque os países, as partes, concordaram na última COP da Biodiversidade em criar um novo mecanismo de financiamento dentro do GEF, que complementa o que o GEF já faz na conservação da biodiversidade.
Mas esse fundo vai permitir escalar esse investimento e investir naquelas áreas que têm potencial para transformar o setor. Quando digo transformar, eu estou olhando para esforços que podem orientar novas políticas, com novos níveis, novas estruturas para melhorar as questões institucionais.
E, mais importante, mudar a realidade de que a maioria dos países do planeta investe muito mais recursos em atividades que destroem a natureza do que investem na proteção da natureza.
Quero dizer, deixe-me dar um exemplo sobre subsídios. Os subsídios ao setor agrícola, por exemplo, têm um alto custo para a biodiversidade.
Os custos do investimento em subsídios escolhidos para o setor agrícola é provavelmente 150 vezes maior do que todos os países investem na proteção da natureza. Por isso, precisamos alinhar todos os investimentos, públicos e privados, com os acordos internacionais.
Neste caso, a convenção da diversidade biológica, em particular a nova estrutura da biodiversidade. Portanto, esse é o tipo de investimento estratégico que gostaríamos de ver com esse novo fundo.
É claro que o novo fundo é para apoiar a implementação do novo quadro acordado em dezembro passado, em Montreal.
CNN: E o senhor acredita que ele será mesmo aprovado em Brasília?
Rodríguez: Sim, claro. Mas isso envolve negociações complexas. São negociações políticas que envolvem 183 países, a maioria deles com perspectivas diferentes, visões diferentes, expectativas diferentes. Mas acho que o objetivo primordial foi criado durante a COP em Montreal, quando os países concordaram com o novo fundo.
Então, as questões hoje estão mais voltadas para como esse novo fundo vai distribuir e alocar recursos. Então é aqui que o debate, em um nível científico muito técnico, está acontecendo.
Muitas questões são mais sensíveis. Uma é a estrutura de governança para o novo fundo. E a outra é como o dinheiro será distribuído, os recursos serão divididos e alocados nos países receptores.
Então é aqui que temos discussões muito interessantes e em alguns casos as posições são bastante antagônicas. Mas a história do conselho do GEF está associada a consensos em comum acordo e não acho que esses serão a exceção.
Ao mesmo tempo, o Brasil está colocando todo o seu capital político em um resultado muito bem-sucedido nas reuniões da próxima semana aqui em Brasília.
CNN: O Brasil tem sido, se não me engano, um dos maiores beneficiários do GEF, correto?
Rodríguez: Sim. O Brasil está sempre entre os três primeiros: é o Brasil, China, Indonésia, eu diria Índia. Muda um pouco ao longo do tempo, mas o Brasil está sempre entre os três primeiros. E isso é importante porque o Brasil é um país biodiverso.
É extremamente importante para os benefícios ambientais globais que proporciona ao resto dos países, por isso nos concentramos tanto, por tantas vezes, no Brasil. E os resultados são visíveis.
CNN: Quanto o senhor acha que o Brasil poderia receber desta vez?
Rodríguez: Bem, desta vez a alocação é de cerca de US$ 90 milhões (cerca de R$ 430 milhões). Mas, com cofinanciamento, podemos estar falando de US$ 400 milhões (cerca de R$1,9 bilhão) até 2026.
Mas, além do tamanho do cheque, acho que outro elemento importante é o nível de flexibilidade que o financiamento do GEF oferece aos países.
É claro que os países precisam atender a algumas solicitações muito técnicas. Os projetos devem passar por um processo de triagem de mérito técnico e sim, nós da secretaria do GEF vamos nos esforçar muito para avaliar a qualidade dos projetos.
Mas eu diria que 85% dos projetos do Brasil são de primeira qualidade. E isso pelas capacidades humanas e institucionais que o Brasil possui.
CNN: E que áreas devem ser beneficiadas por esse financiamento no Brasil, por favor?
Rodríguez: Bem, é uma decisão soberana do governo brasileiro como usar os recursos do GEF.
É claro que pedimos duas condições: uma é cumprir os critérios técnicos mínimos que a secretaria do GEF requer e a segunda é que represente ações que respondam aos seus compromissos com a convenção de mudança climática, a convenção de diversidade biológica, a convenção sobre degradação e as outras convenções ambientais que o Brasil tenha subscrito.
Então, é uma combinação de gestão de áreas protegidas nos diferentes biomas do Brasil: caatinga, cerrado, pantanal, amazônia, mata atlântica. Também agricultura de baixo carbono.
Cada vez mais o Brasil está colocando ênfase na produção agrícola de baixo carbono e é por isso que financiamos programas na área.
Mais recentemente, o Brasil começou a acessar dinheiro do GEF em um programa que é chamado de cidades sustentáveis. Não investimos apenas na conservação da biodiversidade na Amazônia. Trabalhamos em todos os biomas que o Brasil tem, e também nos setores de energia, agrícola e claro como eu disse cidades.
Não é apenas proteger a floresta na Amazônia, mas também a agricultura de baixo carbono e cidades verdes. Quer dizer, é um complemento dentro de todos esses programas.
CNN: Todos esses financiamentos tem um foco grande na luta contra as mudanças climáticas. Estão todos ligados nessa luta, correto?
Rodríguez: Sim. Esta é uma pergunta muito interessante. Antes de 2015, apenas um punhado de países tinha a responsabilidade de reduzir as emissões.
Estes são o que costumávamos chamar de Nações do Anexo 1, as nações industrializadas. Mas depois, com o acordo de Paris de 2015, houve uma decisão de que todos os países do planeta deveriam se comprometer a reduzir suas emissões. Mas os 10 países que mais emitem gases que contribuem para o aquecimento global respondem por cerca de 80% das emissões totais.
Então, nos outros países, a questão da mitigação não é tão importante quanto é o tema da adaptação, principalmente nos pequenos países insulares em desenvolvimento, países menos desenvolvidos.
Esses países são extremamente vulneráveis e extremamente frágeis aos eventos extremos das mudanças climáticas. Portanto, (para eles) o elemento de adaptação é muito importante.
Portanto, o Acordo de Paris é uma combinação do compromisso de todas as nações de reduzir as emissões, mas também do compromisso de apoiar os países mais vulneráveis às mudanças climáticas e, no final das contas, eles historicamente não contribuíram tanto para as mudanças climáticas.
Esta é a ironia da situação que temos hoje: os países mais vulneráveis são os menos responsáveis pelas alterações climáticas. No entanto, o mundo precisa ter uma abordagem abrangente. E é isso que fazemos no GEF.
CNN: O governo brasileiro está planejando sediar a primeira cúpula da Amazônia, no segundo semestre, com o objetivo de tentar encontrar um terreno comum reunindo os diferentes países que compartilham a Amazônia. Qual a importância de tais iniciativas?
Rodríguez: Bem, é muito importante [esta reunião]. Ela vai se construir sobre as decisões históricas dos oito países da Bacia Amazônica. Provavelmente a decisão mais importante foi criar o Tratado de Cooperação da Amazônia, algumas décadas atrás.
O Pacto de Letícia é um bom exemplo e essa cúpula dará seguimento àquelas ações. Costumo acreditar que essas são grandes oportunidades e parabenizo os líderes dessas nações porque estão dando atenção à conservação da natureza. Isso é tão importante quanto a atenção que dão ao desenvolvimento humano e ao crescimento econômico.
A natureza sustenta o bem-estar humano, sustenta a estabilidade e sustenta a prosperidade econômica. Assim, quando os líderes das nações [da Amazônia] concordarem em se reunir, conversar e projetar ações que reduzam a distância entre a gestão do capital natural e a gestão do capital financeiro, o GEF estará lá apoiando essas ações. E eu acho que isso é extremamente importante, porque mesmo o Brasil sendo grande a gente quer ter um impacto maior do que o tamanho do Brasil.
Oito países dividem a bacia amazônica e esse é um bom exemplo (de trabalho conjunto). Eu acho que esta é uma grande oportunidade e é uma oportunidade também para o setor privado, os setores filantrópicos entrarem e aumentarem seu apoio financeiro, aumentarem seu engajamento político, aumentarem seu apoio no fornecimento de tecnologia e conhecimento para que possamos ser capazes de continuar o esperado caminho de prosperidade e desenvolvimento sem destruir a natureza.
CNN: Qual a importância de o Brasil sediar a COP 30, em 2025, em Belém, na Amazônia?
Rodríguez: É muito simbólico, muito significativo. E posso comparar, e provavelmente os brasileiros já se esqueceram disso. Mas o Brasil já organizou uma COP sobre Biodiversidade, em Curitiba, em 2006.
E o encontro foi um divisor de águas porque pela primeira vez falamos sobre sobre diversidade com um foco de importância máxima. Acho que essa COP em Belém será tão significativa quanto a que o Brasil organizou em Curitiba há cerca de 15 anos.
Acho que a COP 30 vai fechar o ciclo conectando a ação contra as mudanças climáticas e a ação para manutenção da biodiversidade. Porque a perda da biodiversidade e as mudanças climáticas são dois lados da mesma moeda.
No entanto, continuamos a abordar os dois problemas como se fossem temas diferentes, doenças diferentes, desafios diferentes, e aprendemos que não é assim.
Acho que o Brasil pode nos dar aquele elemento que começou na COP 26, em Glasgow, quando começamos a falar sobre a natureza na COP.
Então, organizar uma COP no coração da Amazônia significa que ela terá que ser extremamente verde, extremamente orientada para a biodiversidade. E acho que esse é um elemento-chave que precisamos agora.