O protagonismo do Judiciário e a diversidade nos sistemas de direitos humanos foram temas de dois painéis do seminário Igualdade e Justiça: a Construção da Cidadania Plural, realizado nesta quinta-feira (22) no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O evento tem o apoio da Embaixada da Suécia e do Instituto Innovare. Veja a íntegra dos debates no canal do tribunal no YouTube.
Do painel “O protagonismo do Judiciário na afirmação da cidadania plural”, participaram o diretor da FGV Direito de São Paulo, Oscar Vilhena Vieira; a professora Maria Tereza Sadek, do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP); e o juiz assessor da Presidência do STJ Marcos Zilli. O painel foi presidido pelo vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Aloysio Corrêa da Veiga.
Em sua apresentação, Oscar Vilhena citou o assassinato da vereadora Marielle Franco e os atentados contra a população indígena Yanomami para fazer referência aos impactos das desigualdades econômicas, políticas e sociais no reconhecimento e na afirmação de direitos.
Segundo Vilhena, caso não adote as medidas corretas, o Brasil corre o risco de criar uma nova desigualdade: o surgimento de uma sociedade sofisticada, pluralista e inclusiva apenas para determinado grupo com elevado nível de riqueza e de acesso aos principais bens e serviços.
Apesar de considerar não ser possível “superestimar” o potencial do Judiciário, Vilhena apontou que há uma simbologia importante quando ocorre o reconhecimento judicial de direitos. Segundo o professor, o Judiciário não consegue reformar o sistema, mas pode “desestabilizar” práticas contra alguns grupos e incutir na sociedade a ideia de inclusão, de tolerância e de diversidade.
Professora destaca relação entre nível de democracia e proteção à população LGBT+
A professora Maria Tereza Sadek apresentou o conceito de “desigualdades cumulativas” – uma referência às pessoas que não têm renda e, adicionalmente, ficam privadas de acesso a itens como educação, saúde e justiça.
Sadek também apresentou uma relação entre a cidadania plural e os diferentes graus de democracia no mundo. Para ela, países que são vistos como detentores de níveis mais elevados de democracia são os mesmos que, em geral, costumam ser mais inclusivos. “O oposto é absolutamente verdadeiro: estão nos países menos democráticos as legislações mais excludentes”, afirmou.
Na visão da professora, “os grupos sociais fizeram uso estratégico do direito” ao levar para o Judiciário questões fundamentais para a efetivação dos direitos das pessoas LGBT+, como a união civil, o casamento e a equiparação da homofobia ao racismo.
No encerramento do painel, o juiz Marcos Zilli comentou que as ações dos movimentos sociais não teriam reverberação se o Judiciário não estivesse aberto ao reconhecimento de direitos.
Segundo o juiz, a criação de uma “era internacional de direitos humanos” foi fundamental para a mudança de patamar na formação de sistemas jurídicos em todo o mundo. Zilli lembrou que os direitos humanos não são apenas objetivos a serem concretizados em si, constituindo-se como verdadeiros princípios hermenêuticos.
O palestrante destacou a necessidade de que a validação dos precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) não seja tarefa apenas dos tribunais superiores, mas de todo o sistema de Justiça. “Todos os juízes nacionais, em qualquer nível de jurisdição, devem aplicar os precedentes da Corte IDH. Juiz nacional é também um juiz interamericano de direitos humanos”, afirmou.
Decisões da corte europeia buscam resguardar direitos e evitar estigmatizações
O painel “Pluralidade e diversidade nos sistemas regionais de direitos humanos”, mediado pelo ministro Rogerio Schietti Cruz, teve como palestrante o juiz da Corte Europeia de Direitos Humanos Erik Wennerström.
Em sua fala, o juiz europeu apresentou precedentes históricos da corte na análise da Convenção Europeia de Direitos Humanos. Em relação à proteção da família, por exemplo, Wennerström citou processo em que um casal da Áustria teve negado o direito à adoção “sem justificativa concreta”.
No tocante ao reconhecimento legal da convivência entre pessoas do mesmo sexo, o juiz europeu destacou decisão da corte que recomendou à Itália a adoção de instrumentos legais que permitissem as uniões homoafetivas no país.
De acordo com Erik Wennerström, a Corte Europeia de Direitos Humanos tem buscado se posicionar pelo respeito à liberdade, pela rejeição da estigmatização de determinados grupos e pela promoção da diversidade.
Roda de conversa com jornalistas encerra seminário
Os debates do seminário foram encerrados em um clima informal, em uma roda de conversa com os jornalistas Leilane Neubarth e Marcelo Cosme, sob a mediação da jornalista Maria Beltrão. Na pauta, as vivências e experiências dos jornalistas ao lidarem com o tema da orientação sexual, tanto na vida pessoal quanto nas atividades profissionais.
Marcelo Cosme relatou a experiência sobre assumir a sexualidade depois de passar anos dissimulando-a para si mesmo e para a família. “Naturalizar minha sexualidade foi a consequência natural de estar em um ambiente seguro. Mas nem todas as pessoas têm essa sorte, daí a importância de uma Justiça atenta e vigilante aos nossos direitos”, lembrou.
Para Leilane Neubarth, lidar com a descoberta da sexualidade aos 50 anos não foi fácil. “São tantas as barreiras que a sociedade nos impõe, que as garantias que o STJ nos proporciona é um respaldo fundamental para o exercício da nossa cidadania”, comentou a jornalista.