quinta-feira, 28 novembro 2024
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Psicanalista lembra o amigo Ayrton Senna: ‘É um herói autêntico’

Reprodução/redes sociais

Dr. Jacob Pinheiro Goldberg era amigo pessoal de Ayrton Senna

Os 30 anos da morte de Ayrton Senna
, completados nesta quarta-feira (1º), desperta curiosidade a respeito da lenda do automobilismo brasileiro. Os três títulos na Fórmula 1
, as fantásticas exibições nas pistas e seus relacionamentos com personalidades da mídia são de conhecimento público. Mas e quanto às individualidades de um dos maiores ídolos do esporte mundial? Para entender melhor quem foi Ayrton Senna da Silva e seu impacto a nível nacional, o Portal iG
conversou com o doutor Jacob Pinheiro Goldberg
, psicanalista e amigo do piloto por longos anos. 

Para o Dr. Jacob Goldberg, a generosidade era uma das principais características de Ayrton Senna. “Eu me lembro de uma entrevista que o Ayrton deu para a imprensa internacional, tinha jornalistas do mundo inteiro. Eu mal tinha começado a trabalhar com ele e estava no fundo do salão assistindo à entrevista, e um jornalista japonês fez uma pergunta para o Ayrton”, iniciou o psicanalista de 91 anos.

“O Ayrton olhou para o fundo do salão e pediu para que eu fosse até a mesa para responder. Ele disse: ‘Quem vai responder é o professor Goldberg’. Eu gostaria de deixar claro que este tipo de compartilhamento da generosidade desta popularidade dele era o elemento transformador que caracteriza a diferença entre um ídolo falso e o herói autêntico
. Na minha opinião, de longe, é o caso do Ayrton Senna”, continuou. 

Emocionado com a data emblemática, o psicanalista acredita que esse traço foi fundamental para construir a idolatria que os brasileiros têm com Ayrton Senna. “Do lado dele, você se sentia importante. Não era ele que queria transmitir a imagem de importante. Ele emprestava a importância dele para as outras pessoas. Ao mesmo tempo, ele conseguia transferir este significado de grandeza para o patriotismo”, declarou o também psicólogo, advogado, assistente social e escritor brasileiro. 

Identidade nacional

O Dr. Jacob Goldberg auxiliou Senna na elaboração do projeto Senninha, revista em quadrinhos lançada justamente em 1994 e que contou com 28 HQs. Segundo o psicólogo, a ideia surgiu com um objetivo do tricampeão mundial: deixar seu legado para os seus futuros filhos. 

“O Senna queria passar um legado biográfico e histórico para os filhos que ele pretendia ter. Então, começamos a discutir sobre essa ideia. Eu me lembro, nitidamente, depois de algumas horas de conversa, dele saindo pela porta e dizendo: ‘Eu quero imaginar que seja uma historinha para as crianças’. O melhor formato, em uma conclusão que pensamos, seria a criação de uma revista de quadrinhos. Posteriormente, uma equipe competente coordenou o projeto”, declarou. 

Apesar de não ter conseguido ter filhos, Senna deixou um legado para uma nação. Este, ao menos, é entendimento do psicanalista. “A figura do Ayrton Senna, no Brasil, fica com a noção que os norte-americanos têm de país fundador de uma identidade nacional. São as grandes figuras icônicas com as quais o povo se identifica. Nós, no Brasil, temos muito poucas. Eu trabalho com este material do inconsciente coletivo do brasileiro nos últimos anos… Eu acho que temos poucas figuras, muitas delas, na minha opinião, polêmicas”, pontuou.

“Poucas têm o consenso, praticamente unânime, da opinião pública, que é fundamental. É o que caracteriza a herança cultural e emocional da carismática do Ayrton Senna. É turbinar as emoções da sociedade por inteiro, independente de qualquer circunstância”, acrescentou. 

Sem medo da morte

Uma das cenas icônicas antes da morte de Senna, no GP de Ímola de 1994, na Itália, mostra a lenda das pistas com um olhar distante, algo que não era habitual para o focado esportista. “Para mim, é um olhar para o horizonte, que deveria se transformar em um dos símbolos nacionais. Ele estava olhando o futuro”, resumiu Goldberg. 

Segundo o psicanalista, o olhar não demonstrava medo de morrer em um fim de semana já marcado por tragédias — além de um grave acidente envolvendo Rubens Barrichello, o GP de Ímola também marcou a morte do austríaco Roland Ratzenberger. 

“Uma vez, Senna me disse: ‘Quando você está a 300km/h, você transcende o medo da morte’. É um medo generalizado na nossa sociedade. São poucas as pessoas que encaram a morte com naturalidade. Um indivíduo, para encarar a morte com naturalidade, na minha opinião, tem que ter consciência do ser humano que merece a vida eterna. Era o que acontecia com Ayrton Senna”, continuou. 

Senna era direita ou esquerda?

Ayrton Senna levantando uma bandeira do Brasil
JEROME DELAY / AFP

Ayrton Senna levantando uma bandeira do Brasil

Ao usar o capacete com as cores do Brasil e usar a bandeira nacional para comemorar suas vitórias, Ayrton Senna era acusado de apoiar a direita. Recentemente, com a polarização política no país, uma polêmica ressurgiu nas redes sociais. No entendimento de alguns internautas, caso estivesse vivo, o tricampeão seria apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), assim como Nelson Piquet, por exemplo. 

Segundo o amigo pessoal de Senna, o piloto não representava nenhum lado político. “Ele não era de esquerda, direita ou de centro. Para mim, ele era o que eu denomino como humanista. Isso é ao contrário desta demagogia que muita gente que acha que o mistagogo, que é o demagogo com o místico, é popular. O mistagogo é o sujeito que explora a pobreza social, a miséria, para tentar se transformar em um enviado de Deus. O Senna é exatamente o oposto disso”, afirmou. 

Para Goldberg, a polêmica “é uma tentativa de apequenar” Senna. “O Brasil não pode ser iconoclasta, e existe, infelizmente, uma tendência política muito grande de iconoclastia, que é devorar seus próprios ídolos. Um povo não pode fazer isso. Se você devora seus ídolos, você fica órfão de valores reais. E, ao invés de valores reais, entra a presença absoluta do ódio. Ele era um sujeito alegre, de pulsão produtiva. Ele amava a vida e amava fazer com que as pessoas se encantassem com a paixão que ele tinha”, complementou. 

Apesar de recusar rotular Senna como de direita ou de esquerda, o amigo afirmou que um presidente se aproximou da figura da lenda do esporte nacional: Juscelino Kubitschel

“Como acompanhei de perto quase todos os presidentes da República, tem um presidente que o Brasil teve que, se você me perguntar, politicamente, quem é que eu aproximo o Ayrton, seria o Juscelino Kubitschek. Essa aproximação da imagem dos dois… É porque são figuras fundamentais para construir uma psicologia do brasileiro. Eu não tenho dúvidas. No enterro do JK também havia uma música relacionada a esta ideia de vida e alegria. É isso! É o que Ayrton transmitia enquanto se embrulhava na bandeira”, finalizou.

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Fonte: iG

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