Reencontrar retratos e reler diários é uma maneira de repassar fases da vida. Em um domingo chuvoso, uma mudança de casa ou de ciclo, é comum aparecer aquela caixa que nos leva ao túnel do tempo. Esses registros são testemunhas de quem éramos em diferentes momentos. Ao encontrá-los, podemos rever nossa linha do tempo com o distanciamento necessário à reflexão.
Isso aconteceu recentemente com a publisher
norte-americana Arianna Huffington, fundadora do Huffington Post e do portal Thrive Global. Perto de completar 70 anos, em julho de 2023, ela passou um tempo com suas filhas e a irmã na casa da família, em Los Angeles, e, enquanto limpava a garagem, deparou-se com dezenas de diários e cadernos antigos, com páginas lotadas de pensamentos e preocupações de seus 20 anos.
“Ao reler meio século de notas, fico impressionada com quatro coisas. Primeiro, pela idade em que eu sabia o que realmente importava na vida. Em segundo lugar, por quão ruim eu era em agir com base nesse conhecimento. Terceiro, como todas as minhas preocupações e medos eram desgastantes. E, quarto, quão pouco essas preocupações e medos acabaram importando”, ela escreveu no seu LinkedIn, ecoando a percepção de muitos de nós.
Aprendizados ao longo do tempo
Colher os aprendizados de cada etapa da existência e reconhecer o envelhecimento como uma dádiva é a grande tarefa para quem deseja uma vida longa e produtiva. “Em cada fase da vida, existe uma semente de potência que precisa ser cultivada”, diz a terapeuta transpessoal Ana Fanelli. Nutricionista e instrutora de Mindfulness e Mindful Eating, Ana conduz o retiro “Maturidade e Florescimento: Envelhecer Ressignificando o Ser que Somos”.
As imersões são norteadas pela teoria dos setênios, do filósofo e educador Rudolf Steiner. Segundo ela, cada ciclo de sete anos guarda em si um convite e uma vibração interna, que podem ser comparados a uma semente plantada. Esta passará por estágios até dar fruto, que contém em si uma nova semente. “A percepção desses ciclos abre espaço para novas possibilidades de cura e transformação”, destaca Ana.
Espiral de sabedoria
A cada sete anos, segundo Steiner, existe uma tônica básica mostrando a possibilidade de crescimento. No encontro de dois dias, Ana também traz a interpretação do livro “Ciclos: Energias Vibrantes Que Afetam Nossas Vidas”, de Sara Marriott, em que cada fase tem uma palavra-chave. Do nascimento aos 7 anos, na formação do corpo físico, o verbo é respirar. Depois, dos 7 aos 14, a palavra é possuir, tendo em vista o crescimento emocional. Dos 14 aos 21, conhecer, pois é tempo de estudos, de foco no corpo mental.
E assim por diante: dos 21 aos 28, estabelecer. Dos 28 aos 35, desapegar. “Esse é um ponto de transição, quando você se dá conta de que os padrões da sua família nem sempre são os seus”, diz Ana. Dos 35 aos 42, o verbo é progredir. Dos 42 aos 49, relacionar. “Até então, é comum termos relações imaturas, de turbulência e inquietação. Essa fase nos convida a lidar melhor com o universo das emoções”.
Chegando à maturidade, dos 49 aos 56, o verbo é renovar, no sentido de buscar novos conhecimentos e papéis. Dos 56 aos 63, reconhecer. “Que contribuição eu vou deixar?”. Por fim, dos 63 aos 70: alcançar, vislumbrar o sentido da vida e reforçar o legado. A partir dos 70, os setênios seguintes convidam à transcendência. Tempo de contemplar, reconhecer limites e, acima de tudo, agradecer.
Perspectivas sobre o envelhecimento
O
envelhecimento
está associado à sabedoria em quase todas as tradições espirituais e filosóficas. O psiquiatra suíço Carl Jung explica: “Se quiser viver, precisará lutar e sacrificar sua nostalgia do passado, para assim atingir a altura que lhe é própria. E, quando atingir a altura do meio-dia, terá de sacrificar também o amor por sua própria altura, pois não lhe é dado parar. Também o Sol sacrifica sua maior força para prosseguir em frente, rumo aos frutos do outono, que são sementes de renascimento”.
Pena que, no mundo ocidental, a maturidade nem sempre seja encarada com a merecida dignidade, muito menos com bom humor e leveza. Muitas vezes, o envelhecimento é tratado como uma doença a ser evitada. É o chamado age shaming
(vergonha de envelhecer).
“O problema é pensar no envelhecimento como contagem regressiva”, pontua Ana Fanelli. Na cultura que empurra a mulher madura para a invisibilidade, é preciso esquecer a comparação, parar de olhar para essa fase como perda e contar os ganhos que ela traz. Entre eles, o autoconhecimento. “É virar a câmera para dentro, reconhecer o mundo interno e saber que, a cada momento, podemos aprender”, sugere a terapeuta.
Cuidar-se, sempre
Finalmente alguém que diz algo positivo sobre a
menopausa
. Converso com a médica Julia Sahão, especializada em medicina chinesa e acupuntura, e ela delineia uma abordagem linda sobre menstruação e climatério. Aos olhos dos chineses, cada órgão tem um significado físico, emocional e espiritual. “O útero é sagrado, símbolo de fertilidade e criação, e tem um canal energético com o coração”, ela afirma.
Nessa visão, a menstruação é considerada um detox. Todo mês, ocorre uma troca de energia do coração para o útero. Ao fim da fase reprodutiva, o ciclo se inverte. A energia passa a ir do
útero
para o coração. “É uma fase em que a mulher não precisa mais se doar para criar uma nova vida e pode direcionar essa energia para si mesma. Uma oportunidade de desenvolver a automaestria”.
Como não é raro algumas mulheres tirarem o útero por questões de saúde, a Dra. Julia esclarece que, mesmo com o órgão removido cirurgicamente, o meridiano da acupuntura continua presente, e o canal energético que passa pelo órgão segue seu trajeto. Ou seja, de outra maneira, ele segue conosco.
Os rins também merecem atenção. “Ao nascer, recebemos uma energia ancestral, vinda do pai e da mãe, que fica armazenada nos rins. Todos os excessos vão consumindo essa energia e a reserva vai esvaziando. Por isso, o autocuidado com a saúde é essencial desde a juventude, se queremos uma longevidade saudável”.
Na medicina integrativa, a prevenção de doenças vem primeiro e a longevidade está ligada à autonomia. A médica cita o exemplo do empresário Abílio Diniz, que faleceu aos 87 anos, em plena atividade. “A saúde vai embora a cavalo e volta de jegue”, diz ela, reforçando a necessidade de um estilo de vida saudável em todas as fases.
Pilares para uma boa vida
Os pilares são quatro: cuidar da saúde emocional. “Tenho pacientes que comem orgânicos, mas não falam com o pai, por exemplo. Recomendo uma constelação familiar”. Em segundo lugar, a higiene do sono. “O ideal seria estar na cama entre 22h30 e 23h, acordando ao nascer do sol. De seis a oito horas é o ideal. Todo excesso gera desequilíbrio”, alerta.
O terceiro ponto é o exercício físico, que, para pessoas com mais de 50 anos, precisa incluir
musculação
. “A autonomia na velhice virá da sua musculatura”, ressalta. E, no quarto pilar, a alimentação. Sem entrar nos tipos de dieta, o que vale é comer “comida de verdade”, em três refeições básicas, as mais frescas possíveis, com baixo teor de açúcar e processados.
“Gosto do prato colorido. Sugiro incluir carboidratos complexos, como batata-doce, mandioquinha, inhame, gorduras boas, como manteiga ghee e óleo de coco, sem esquecer os antioxidantes das frutas, legumes, mel, pólen e especiarias, como cúrcuma, cravo e canela, que ajudam a não enferrujar”, lista a médica.
Coragem para aprender
Ao construir o fio da vida a partir dos setênios, entendemos que recolher o que aprendemos é fonte de coragem para adotar a atitude de aprendiz. “Na maturidade, como na
infância
, tudo é novidade. A gente é quem coloca o peso. Vamos cultivar redes de apoio, grupos de amigos, e não entrar na síndrome de Gabriela, ‘eu nasci assim, vou ser sempre assim’”, propõe Ana, evocando a canção de Dorival Caymmi.
Rever os diários e cadernos antigos pode ser um bom exercício, como fez Arianna. “Se tivermos sorte e permanecermos saudáveis, não há motivo para não continuarmos construindo e criando”, diz ela, que, aos 55 anos, fundou o Huffington Post e, aos 66, o Thrive Global, empresa que fornece tecnologia de mudança de comportamento.
“Quando você não pensa na morte como o fim, envelhecer é libertação. Talvez porque haja menos tempo à minha frente do que atrás de mim, eu não desperdice isso em coisas que não importam”, sustenta. Após migrar do estado de luta para o da graça, a empresária diz amar ter 70 anos. “Saber o que não deve ser temido me faz sentir mais eu mesma do que em qualquer outro momento. Além disso, não deixo o mistério da vida passar batido por mim”.
Nessa jornada, vale se guiar pelo questionamento: “O que não envelhece em nós?”. “Inclua e honre tudo o que você viveu. O que conta é o ser que somos. Viemos a este mundo para fazer uma série de lições de casa a fim de ver se ele se revela. Às vezes, a gente pula uma aula, fica de recuperação, esperneia, mas segue”, lembra Ana Fanelli.
Assim, ao honrar e respeitar os ciclos, colaboramos com a nossa natureza, permitindo que cada estágio nos faça florescer.
Por Rosane Queiroz – revista Vida Simples
É jornalista e cantora. Acredita que é possível começar qualquer coisa em qualquer fase.